Gonçalo Neves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Gonçalo Neves
Gonçalo Neves
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Tradutor de espanhol, francês, inglês, italiano e latim; especialista em Interlinguística, com obra publicada (poesia, contos, estudos linguísticos) em três línguas planeadas (ido, esperanto, interlíngua) em várias revistas estrangeiras; foi professor de Espanhol (curso de tradução) e Português para Estrangeiros no Instituto Espanhol de Línguas; trabalhou como lexicógrafo na Texto Editores; licenciado em fitopatologia pela Universidade Técnica de Lisboa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Seria possível traduzir, para português, três frases em latim?

São estas as frases:

a) Poetae linguam graeciae amant.

b) Coranea Reginas ornant.

c) Magistra pulchara est.

Desde já agradeço a colaboração deste esclarecimento.

Foi bom tê-los encontrado na p. 814 do minidicionário da Língua Portuguesa "Soares Amor" 12 ed. 2003. É um site utilíssimo!

Um forte abraço!

Resposta:

Nenhuma destas frases está isenta de gralhas.

Frase a)

Em vez de "graeciae" deve escrever-se Graeciae, com maiúscula. Fica então «Poetae linguam Graeciae amant» (= «Os poetas amam a língua da Grécia»).

Frase b)

Em vez de "Coranea" deve escrever-se Coronae. Fica então «Coronae Reginas ornant» (= «As coroas adornam as Rainhas»).

Frase c)

Em vez de "pulchara" deve escrever-se pulchra. Fica então «Magistra pulchra est» (= «A professora é bonita»).

Pergunta:

Os nomes dos pássaros e de outros animais aparecem cientificamente escritos em latim. Acontece que há sempre uma explicação para que tivessem colocado um determinado nome ao animal, como, por exemplo, a cor das penas, etc. Eu gostaria de ter material que me facultasse essa informação, mas não o encontro.

Será que me poderão ajudar a encontrar bibliografia que me ajude neste problema?

Muito obrigada.

Resposta:

Os nomes científicos atribuídos às espécies e outros grupos taxonómicos do reino animal são regulamentados pelo Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, mais conhecido pela sigla ICZN (da designação inglesa International Code of Zoological Nomenclature). O ICZN, publicado pela primeira vez em 1961, é da autoria da International Commission on Zoological Nomenclature (Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica) e foi adoptado igualmente pela International Union of Biological Sciences (União Internacional das Ciências Biológicas). À edição original seguiram-se mais três, em 1964, 1985 e 2000, sendo esta última a que está atualmente em vigor.

O ICZN, constituído por 90 artigos agrupados em 18 capítulos, para além de um preâmbulo e de um glossário, estabelece não só os critérios que devem nortear a elaboração e atribuição dos chamados nomes científicos, como também os requisitos a que deve obedecer a publicação dos mesmos. Cada artigo é constituído por uma ou mais cláusulas de caráter obrigatório (apresentadas sob a forma de alíneas), acompanhadas, nalguns casos, de recomendações e/ou exemplos ilustrativos.

Algumas destas cláusulas interessam-nos particularmente no caso em questão, pelo que deixo aqui a respectiva transcrição no idioma luso. Por não ter encontrado outra, ofereço aqui uma versão da minha lavra:

«11.2. Obrigatoriedade do alfabeto latino. Um nome científico, quando é publicado pela primeira vez, tem de ser escrito apenas com as 26 letras do alfabeto latino (incluindo j, k, w, y); se o nome, quando é publicado pela primeira vez, contiver diacríticos e outros sinais, apóstrofos, ligaduras, um hífen ou um numeral num nome composto espécie-grupo, não será considerado indisponível só por este facto […].

11.3. Derivação. Des...

Pergunta:

Gostaria de saber a tradução da expressão latina «tu talis eris vis qualis haberi» para o português.

Muito obrigada.

Resposta:

Traduzindo palavra a palavra, temos:

tu = «tu»
talis = «tal», «semelhante», «igual»
eris = «serás»
vis = «queres»
qualis = «qual»
haberi = «ser considerado»

Compondo o ramalhete, temos: «tu serás tal e qual queres ser considerado». De forma mais livre, mas também mais vernácula, podemos verter a frase latina da seguinte forma: «serás o que quiseres que pensem de ti».

Desconheço qual o contexto da frase em questão, mas a mesma faz-me lembrar a famosa máxima «Qualis vis haberi, talis esto» («Sê o que quiseres que pensem de ti»), que figura no capítulo IX.27 do Liber de modo bene vivendi, ad sororem («Livro da forma de viver no bem, para a irmã»), cuja autoria durante longo tempo esteve atribuída ao monge Bernardo de Claraval (1090-1153). Como se trata de obra monástica, e atendendo ao título que ostenta, o pensamento subjacente a esta máxima seria: se quiseres ser tido por virtuoso, sê virtuoso.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão latina «sic transit». Sei que ela é conhecida em uma outra expressão maior («Sic Transit Gloria Mundi»). Retirei a expressão de um livro do jornalista Herbert Daniel (obra: Vida Antes da Morte, 1989), cujo trecho em que aparece a expressão é:

«Nada mudou na impermanência. Sic transit. A experiência da finitude povoa os recalques de todos os mortais. Saber-se finito não é exatamente uma novidade. Acreditar na mortalidade do corpo é que é mais difícil. Este é um aprendizado que a doença traz e, parece-me, nenhuma crença na imortalidade da alma traz alívio para o barro que descobre seu destino de pó.»

Obrigado.

Resposta:

A expressão completa é, de facto,«sic transit gloria mundi». Vamos traduzir por partes:

sic = assim, desta forma, desta maneira

transit = passa

gloria mundi = a glória do mundo, a glória mundana

Ou seja, «a glória mundana, a glória das coisas terrenas, passa desta forma». De que forma? O provérbio não diz, mas subentende-se que é depressa, sem deixar rasto. Ou seja, a glória na terra é passageira, é efémera, em contraste com a glória celeste. 

Há quem diga que esta frase remonta à Imitação de Cristo (De imitatione Christi, 1418), célebre obra de Tomás de Kempis (c. 1380-1471), na qual se pode ler «O quam cito transit gloria mundi» (I.3.6) (= «oh, como passa depressa a glória mundana»). No entanto, estou em crer que é mais antiga. Talvez tenha origem em provérbios latinos em voga na Idade Média, ditos e reditos para alimentar o fervor religioso das comunidades monásticas. Encontrei dois que talvez esclareçam mais esta questão:

«Ut flatus venti, sic transit gloria mundi» (= «tal como um sopro de vento, assim passa a glória mundana»).

«Ut stuppae flamma, sic transit gloria mundi» (= «tal como a chama de uma estopa, assim passa a glória mundana»).

Como o vento sopra depressa, e como a estopa também arde em dois tempos, fica desvendado o significado de sic na expressão remetida pelo consulente.

Por último, refira-se que, durante a cerimónia de posse dos papas recém-eleitos, era usual (não sei se ainda o é) pronunciar...

Pergunta:

Que significa a expressão «unde pro Cartesio quid dicam non habeo»?

Resposta:

Aqui vai a tradução por partes:

unde = «donde (se conclui que)», «daí», «por isso (mesmo)», «(é) por isso (que)», «por conseguinte»

pro Cartesio = «em abono de Descartes», «a favor de Descartes»

quid dicam non habeo = «nada tenho a dizer»

Compondo as partes, temos uma tradução possível: «Donde (se conclui que) nada tenho a dizer a favor de Descartes.»

A frase é da autoria do teólogo alemão Philipp Jakob Spener (1635-1705).