Gonçalo Neves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Gonçalo Neves
Gonçalo Neves
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Tradutor de espanhol, francês, inglês, italiano e latim; especialista em Interlinguística, com obra publicada (poesia, contos, estudos linguísticos) em três línguas planeadas (ido, esperanto, interlíngua) em várias revistas estrangeiras; foi professor de Espanhol (curso de tradução) e Português para Estrangeiros no Instituto Espanhol de Línguas; trabalhou como lexicógrafo na Texto Editores; licenciado em fitopatologia pela Universidade Técnica de Lisboa.

 
Textos publicados pelo autor
O significado e a história do adjetivo <i>compreensivo</i>

O consulente Paulo de Sousa (Cascais, Portugal) perguntou:

«Uma das muitas aceções do verbo “compreender” é a de “abranger”. Como tal, poderá o adjetivo “compreensivo” encerrar também o sentido de “abrangente”?»

Como se sabe, apesar de a compreensivo poder ser atribuído o significado de «que compreende ou pode compreender, abranger ou conter», acontece que não se recomenda o uso do vocábulo em tal aceção.

Traçando a etimologia deste adjetivo e comentando a interferência do inglês comprehensiveGonçalo Neves explica com pormenor as origens e o significado de compreensivo.

Pergunta:

Queria saber o significado do termo latino qua na seguinte frase: «Os conceitos dividem a natureza em tipos cujos espécimes prontamente percepcionamos devido à sua excelência estética: são bons qua objectos de atenção» (O que é uma propriedade estética? Eddy Zemach, tradução de Vítor Guerreiro).

Resposta:

O termo latino qua, na sua origem, é o feminino singular do pronome relativo qui, quae, quod («que, o qual, a qual») no caso ablativo. Ocorre, por exemplo, na conhecida locução sine qua non, que já foi objeto desta resposta no Ciberdúvidas.

Em latim clássico, qua era empregado também como advérbio, com o significado de «por onde», função cuja origem o filólogo italiano Egidio Forcellini (1688-1768), no seu Lexicon totius latinitatis, mais concretamente no terceiro volume (L-Q), explica do seguinte modo: est ellipsis pro ‘qua via’ (p. 984). Ou seja, qua seria uma elipse da expressão qua via, que significa «por que caminho». Refira-se, a talho de foice, que este advérbio complementa a forma quo (originalmente, o ablativo masculino do mesmo pronome), de que se serviam os romanos para exprimir a ideia de direção («aonde», «para onde»), como na conhecida expressão quo vadis? («aonde vais?», «para onde vais?»).

Ainda em latim clássico, o advérbio qua adquiriu, entre outros, o matiz de «como, por que meio, de que modo». Terá sido a partir desta aceção que o termo em questão, certamente em latim pós-clássico, e provavelmente pós-renascentista, terá passado a funcionar como ...

A tradução do inglês  <i>error</i> por <i>erro</i>

Inverdade e mentira + erro e desacerto, na linguagem jurídica, da autoria de Miguel Faria de Bastos, estabelecia a destrinça, na linguagem jurídica, entre o significado de erro e de desacerto.  Uma alusão, no entanto, ao que comummente se traduz na linguagem informática quanto à palavra inglesa error concitou a discordância de outro dos nossos consultores – o latinista e tradutor Gonçalo Neves.

Pergunta:

Não é raro encontrar nos meios de comunicação social referências a entrevistas vox pop. No entanto, há uns dias li um comentário de alguém que entende mais de locuções latinas do que eu, que dizia que tal expressão era errada e que a forma correta de referir este estilo de entrevistas seria vox populi. Ora, parece-me evidente que uma expressão deriva da outra, mas [é isto correto]?

Resposta:

Entre nós, é bastante frequente a locução latina vox populi (literalmente, «a voz do povo»), que até deu nome a uma fundação. Quem nunca ouviu ou leu expressões como «segundo a vox populi...», «é vox populi que...» ou «diz a vox populi que...»? No entanto, nem toda a gente sabe que esta locução, ao que tudo indica, deriva do provérbio latino vox populi, vox Dei, que quer dizer «a voz do povo (é) a voz de Deus».

A origem deste provérbio latino perde-se na memória dos tempos. Houve quem atribuísse a sua autoria ao historiador inglês Guilherme de Malmesbury (c. 1080/1095-c. 1143), mas a verdade é que já aparece numa carta que o monge beneditino anglo-saxão Alcuíno de Iorque (c. 735-804) enviou a Carlos Magno (742-814) em 798. É bem provável que seja muito anterior a esta data. Refira-se, a talhe de foice, que em latim existia igualmente a expressão vox vulgi (literalmente, «a voz do vulgo»), que provavelmente se distinguirá da anterior consoante o matiz que separa populus de vulgus: de acordo com Brunswich (Diccionario de Synonymos Latinos, 1893, p. 266), «Populus comprehende a todos os cidadãos», enquanto «Vulgus é a parte do povo mais ignorante e mais credulo».

Seja como for, importa igualmente considerar o significado que se imprime às expressões latinas na língua de destino. No caso presente, parece-me que a locução latina corresponde genuinamente à locução lusa «voz corrente», pelo que dizer «é vox populi que...» equivale a dizer «é voz corrente que...». Isso mesmo parece confirmar o

Pergunta:

Penso que já li todos os artigos do Ciberdúvidas sobre o plural de “curriculum”, mas em nenhum deles encontrei resposta para o seguinte: quem, em vez de dizer “os currículos”, prefere a forma latina “curricula”, não incorre em erro grotesco quando escreve expressões do género «os programas dos curricula» (em vez de «os programas curriculorum») ou «nos curricula deste curso» (em vez de «nos curriculis deste curso»)? Não seria mais coerente empregar sempre a forma portuguesa?

Resposta:

O plural de currículo (forma aportuguesada), como todos sabemos, é currículos. Quanto a curriculum, por se tratar de um termo latino, não podemos dizer, em bom rigor, que tenha apenas um plural, como o nosso consulente salienta, e com razão. Na verdade, por questão de declinação, este termo tem três formas distintas no plural: curricula (nominativo, vocativo e acusativo), curriculorum (genitivo) e curriculis (dativo e ablativo).

Perante tal abundância de formas, qual ou quais deveremos utilizar? Sugere o consulente que, por questão de coerência, quem prefere o singular latino curriculum (em detrimento do termo aportuguesado currículo) deveria recorrer não a uma única forma de plural, mas a várias, adaptando-as à situação concreta, consoante a declinação latina. Julgo não ser curial defender-se tal procedimento, pelos seguintes motivos:

1) Por uma questão de coerência, quem usasse o singular curriculum deveria igualmente “decliná-lo”, ou seja, deveria usar três formas (curriculum, curriculi, curriculo) em vez de uma só, consoante o contexto, o que complicaria ainda mais a questão...

2) A utilização de várias formas, em vez de uma só, implicaria o conhecimento, por parte do falante, das declinações latinas. Seria excessiva exigência, numa altura em que o ensino do latim é extremamente restrito no nosso país...

3) Mesmo que pretendêssemos aplicar este preciosismo à letra, teríamos de decidir, à partida, com que proposições é que utilizaríamos, por exemplo, a forma ablativa e a forma acusativa. Em latim, há prepo...