Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sei que as formas ei-lo e suas variantes de género e número são válidas. Mas sempre tive dúvida se existe a forma "ei-no-lo", "ei-vo-lo" e suas variações.

Obrigado!

Resposta:

O advérbio eis é usado com significado semelhante a «aqui está», em referência a algo ou alguém que se encontra ou se quer apresentar no momento da enunciação. Pode, à semelhança dos verbos, ser seguido pelos pronomes pessoais átonos correspondentes ao complemento direto, isto é, me, te, o, a, nos, vos. É, portanto, correto e comum encontrarmos formas como ei-lo, eis-nos, etc.

No entanto, sequências como «ei-no-lo» ou mesmo «ei-vo-lo» são construções agramaticais, porque eis não é compatível com as forma pronominais átonas de complemento indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes): uma sequência como «eis-lhe o livro que procurava» não é, portanto, aceitável. Por este motivo, tal como se rejeita «eis-nos o livro» e «eis-vos o livro», também não se aceita as sequências totalmente pronominalizadas «eis-no-lo» e «eis-vo-lo». Talvez a pergunta do consulente advenha da posição dos pronomes no fenómeno de mesóclise, ou seja, o caso em que os pronomes surgem no meio do verbo, quando este se encontra no futuro do indicativo ou no condicional – apresentar-no-lo-á ou apresentar-vo-lo-ia –, construção que aqui não se aplica. 

Importa referir que, à semelhança dos verbos, antes dos pronomes pessoais a, cai o s ao advérbio e acrescenta-se um l ao pronome: «ei-la», em vez de *«eis-la» (o * indica agramaticalidade).

Pergunta:

Na frase «Nem por sombras!», como podemos considerar a sua polaridade? Negativa ou afirmativa?

Resposta:

No enunciado «nem por sombras!» temos uma polaridade negativa, porque expressa uma asserção negativa. A verdade é que, assumindo que nem é um advérbio de negação, este vai conferir à oração um valor negativo, o que leva a que a sua polaridade seja negativa.

Note-se que, apesar de se atribuir a nem o estatuto de advérbio de negação, muitas são as gramáticas que consideram nem unicamente como uma conjunção coordenativa. 

Por «polaridade de um enunciado», entende-se o seu valor afirmativo ou negativo, conforme a definição do Dicionário Terminológico, documento que lista os termos a aplicar no estudo da gramática no ensino não universitário em Portugal.

Pergunta:

A palavra "preto-velho" tem hífen? Se sim, o plural seria pretos-velhos? Esse é o nome de uma entidade que trabalha na religião de umbanda no Brasil.

Obrigada!

Resposta:

Assumindo que se trata da associação de um nome – preto – e um adjetivo – velho – que formam juntos uma terceira palavra complexa com sentido próprio, por denotar uma entidade religiosa da umbanda, então, este composto é hifenizado. Consequentemente, se não se fizer referência ao domínio dos cultos e das religiões, mas, sim, a um homem que se designa por preto e se caracteriza como velho  «estava um preto velho sentado à porta» , então não se hifeniza porque estamos perante a associação livre de duas palavras que juntas não constituem uma unidade lexical.

Relativamente à flexão em número, pluralizamos tanto o substantivo como o adjetivo: pretos-velhos.

Pergunta:

«O Rio dá adeus à Libertadores».

Como a regência verbal se apresenta e qual a transitividade do verbo dar nessa oração?

Obrigada.

Resposta:

Atendendo que, por «Libertadores», se subentende à Copa (ou Taça) dos Libertadores da América, portanto um nome feminino, está correta a crase das vogais a: «o Rio dá adeus à [Copa] Libertadores [da América].» Este substantivo  Libertadores – deve estar grafado com inicial maiúscula, por ser constituinte do nome de um prémio. 

Em relação ao verbo dar, temos de considerar que o verbo pode ser intransitivotransitivo direto e indireto (ou bitransitivo, na terminologia gramatical do Brasil) e transitivo preposicionado ou oblíquo. Neste caso em questão, o verbo é bitransitivo, sendo que, na frase em questão, «adeus» é o complemento direto e «Libertadores» o complemento indireto.

Note-se que a construção «dar adeus» é pouco frequente em português europeu, variedade em que se utiliza com maior regularidade «dizer adeus» ou «fazer adeus» (neste último caso, na aceção de «acenar como saudação ou despedida»). 

 

N.E. – Esclarece o consultor Luciano Eduardo de Oliveira que, no Brasil, «dar adeus (a algo)» significa «esquecer a possibilidade de obter ou alcançar alguma coisa»; quanto a «dizer adeus a alguém», é expressão também usada, sobretudo, como s...

Pergunta:

Li num site brasileiro a palavra realizadíssimo e procurei na Internet outros exemplos e encontrei vários: pintadíssimo, cantadíssimo, pescadíssimo e muitos outros.

Penso que está errado e gostaria de saber se tenho razão.

Resposta:

Assumindo que o consulente se questiona acerca do uso do particípio passado no grau superlativo absoluto sintético em orações passivas, então a resposta é sim, está errado, ou seja, não se coloca o particípio passado – (ser) realizado, pintado, cantado, pescado, etc.  nesse grau. Serão, portanto, muito estranhas frases meramente declarativas, referentes a acontecimentos ou atividades, como: «este filme foi realizadíssimo por Manoel de Oliveira»; «este fresco foi pintadíssimo por Leonardo da Vinci»; «neste momento, uma peça maravilhosa está a ser cantadíssima pelo coro»; ou «um robalo foi pescadíssimo ontem por aquele homem».

No entanto, é possível esta forma ocorrer adjetivalmente, sobretudo no discurso mais enfático ou mais informal; veja-se, por exemplo:

1. «Foi uma época incrível, estou realizadíssimo» (= muito satisfeito); 

2. «A rapariga estava pintadíssima ontem» (= muito maquilhada) ou «a casa está pintadíssima de fresco» (= acabada de pintar)

3. «Naquele tempo, essa música era cantadíssima» (= era cantada muitas vezes);

4. «Temos peixe pescadíssimo em alto-mar» (= foi mesmo pescado em alto-mar).