Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
47K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Existe a palavra (substantivo feminino) garimpa?

Resposta:

O substantivo feminino garimpa está atestado em diversos dicionários. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001), este substantivo é um regionalismo de Portugal que significa «armadilha para pássaros, gaiolo; indivíduo bem falante; ato, dito ou modo de fanfarrão, fanfarrice, arrogância».  Segundo a mesma fonte, é variante de grimpa, «lâmina móvel de um cata-vento, ger[almente] metálica, que, no alto de torres, casas etc., gira em torno de um eixo vertical e se destina a indicar a orientação do vento» (por extensão semântica, «a ponta, o cume de qualquer coisa»; e, em sentido figurado, «sentimento de orgulho; soberba, pretensão, imodéstia»). A forma grimpa é palavra derivada de grimpar, «galgar, escalar, elevar», que é adaptação do «fr[ancês] grimper (1495) "id.", f[orma] nasalizada de gripper (sXIV) 'id.' (com infl[uência]. de ramper "rastejar"), do frânc[ico] *grîpan, "apanhar, agarrar, prender, colher" [...]». Refira-se a expressão idiomática «levantar a grimpa», usada no sentido de «ensoberbecer-se, reagir com arrogância», conforme se regista no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves. Também se atesta o uso desta expressão com a variante garimpa: «[...] nenhum nobre ousou levantar mais a garimpa [...]» (Miguel Real, A Voz da Terra, Lisboa, Leya, 2012, edição eletrónica).

Pergunta:

Tanto pode ser um nome/substantivo. Não consigo encontrar/descobrir/inventar uma frase em que tanto seja substantivo. Por exemplo, seria correcto dizer «o tanto que tu sabes não vale muito»?

Obrigado.

Resposta:

Efetivamente, tanto pode ser um advérbio, um pronome, um adjetivo, e um substantivo. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001), tanto emprega-se como substantivo quando se refere a: «volume, extensão, tamanho (iguais ao de outro)» (ex.: uma cubagem com quatro tantos de outra); «quantidade igual a outra certo número de vezes; vez» (ex.: um quadro que vale três tantos de outro); «muitos» (ex.: entre os tantos citados, ninguém se lembrou dele); «porção, quantidade, quantia indeterminada» (ex.: ganhamos tanto pelas vendas e tanto pelos alugueres). O exemplo apresentado pelo consulente – «o tanto que tu sabes não vale muito» – enquadra-se nesta última definição de tanto enquanto substantivo, pois quantifica-se a sabedoria de alguém.

Pergunta:

Gostaria de saber se não estará errado a cadeia de supermercados Continente usar o termo Promoçãozão para se referir, em publicidade, a superdescontos. Não deveria ser antes – mantendo o registo informal – promoçãozorra ou promoçãozona, sendo promoção um termo feminino?...

Obrigado.

Resposta:

Na bibliografia consultada não se regista nenhum aumentativo do substantivo promoção, pelo que podemos recorrer ao processo de formação de aumentativos que consiste no emprego de sufixos de aumentativos, são eles: -(z)ão, -alhão-(z)arrão, -eirão-aça, -aço-uça-ázio-anzil-aréu, -arra-orra-astro,-az-alhaz e –arraz (Cunha, C., Cintra, L., Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 90/92). Assim, temos várias formas de aumentativo do substantivo promoção, como, por exemplo: promoçãozão, promoçãozaça, promoçãozorra, etc. Pode ainda usar-se a forma analítica de aumentativo como meio de evitar a repetição do som –ão: «grande promoção».

Note-se que os substantivos femininos permitem a formação de aumentativos em -ão, aos quais se atribui o género masculino. Cunha e Cintra (ibidem) observam que têm género masculino os aumentativos em -ão, «[...] mesmo quando a palavra derivante é feminina» e dão os seguintes exemplos: «a parede» — «o paredão»; «a mulher» — «o mulherão». Os referidos autores parecem excluir a possibilidade de os substantivos formarem aumentativos do género feminino com o sufixo -ona, quando dizem que «só os adjetivos fazem diferença entre o masculino e o feminino, diferença que, naturalmente, conservam quando substantivados: solteirão — solteirona; chorão — chorona». Observe-se, contudo, que esta posição é demasiado restritiva, porque na verdade são legítimos os aumentativos em -ona que ...

Pergunta:

Como tenho encontrado opiniões díspares mesmo no âmbito ferroviário, gostava de saber como se deve dizer em português, se "dresine" ou "dresina" (ou nenhuma delas) e qual a origem da mesma.

Obrigado.

Resposta:

Os dicionários portugueses registam dresina, substantivo feminino. Este substantivo, que teve origem no francês draisine (1873), refere-se ao «precursor do velocípede, com duas ou três rodas, dotado de direção e impulsionado pelos pés forçando o chão, ou sobre pedais, em movimento alternado» ou ao «pequeno vagão, de quatro rodas e um ou dois assentos, que corre sobre trilhos e que geralmente se destina a serviços em via férrea» (Dicionário Eletrônico Houaiss, 2001). Por seu turno, a palavra francesa é a adaptação de um nome próprio. «fr[ancês draisine (1873) "espécie de velocípede"; do voc[ábulo] fr[ancês] draisienne (1816) "id[em]", com mudança do suf[ixo]; formado do antr[opónimo] barão Drais de Averbrunn [sic]* (1785-1851, inventor do aparelho) + suf[ixo] fr[ancês] -ine (por -ienne) [...].»* (idem)

*Trata-se de Karl Drais. A forma deste antropónimo está incorretamente registada no Dicionário Houaiss. Na verdade, a forma francesa é «Baron Drais de Saverbrunn» (cf. Trésor de la Langue Française, s.v. draisienne), a que corresponde o alemão Karl Drais ou, como nome completo, Karl Friedrich Christian Ludwig Freiherr Drais von Sauerbronn.

Pergunta:

Dioniso, ou Dionísio? Hoje em dia toda a gente diz Dionísio, mas em praticamente todos os livros o deus grego do vinho surge amputado de acento e i. Qual é a versão correcta?

Obrigado.

Resposta:

Dionísio (com acento no i) e Dioniso (sem acento no i) são duas formas corretas para nos referirmos ao deus grego do vinho. No entanto, segundo Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), Dioniso é o mitónimo masculino utilizado em  referência a este deus grego, enquanto Dionísio é antropónimo pessoal. M.ª Helena Ureña Prieto et al., em Do Grego e do Latim ao Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 1995), registam Dioniso apenas como nome do deus grego, ou seja, como teónimo. Sendo assim, concluímos que, mesmo não sendo incorreto referirmo-nos ao deus do vinho como Dionísio, a forma preferível é Dioniso.