DÚVIDAS

A pronúncia de saem e caem

Reparei que, nalgumas formas verbais que acabam por vogal + em, há a interposição de um /j/ entre vogal e em:

saem → /'sa.ɐ̃j̃/ → /'saj.ɐ̃j̃/

põem → /'põ.ɐ̃j̃/ → /'põj̃.ɐ̃j̃/

Sobre essa regra, tenho duas dúvidas:

1) É por causa do mesmo fenómeno que as formas verbais têm e vêm se pronunciam /'tɐ̃j̃.ɐ̃j̃/ e /'vɐ̃j̃.ɐ̃j̃/, em vez que /'tɛ.ɐ̃j̃/ e /'vɛ.ɐ̃j̃/?

2) Essa regra pode aplicar-se também a outros encontros vocálicos? Por exemplo, alguns falantes pronunciam a frase «é ela» como /ɛj 'ɛ.lɐ/, outros como /ɛ 'ɛ.lɐ/. Ambas as pronúncias estão corretas, ou uma é mais adequada do que a outra?

Obrigado

Resposta

Em português, a vogal i ocorre frequentemente como glide – representada pelo símbolo fonético [j] –, para desfazer hiatos, isto é, encontros vocálicos que não se resolvem como ditongos.

O caso de saem é o mesmo de caem (cair) e traem (trair) e verbos relacionados: atrair, distrair, ou seja, a terminação -aem da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo soa como [aiɐ̃j̃]. Esta pronúncia faz parte da norma-padrão, e sobre ela não existe juízo normativo desfavorável. É, portanto, pronúncia correta. É possível que o i anti-hiático se relacione com o seu correspondente nasal em têm, vêm e põem, mas não foi aqui possível identificar estudos que proponham ou confirmem essa relação.

Dialetalmente, este [j̃] nasal anti-hiático chega a evoluir como nasal palatal, fazendo as referidas forma verbais soarem como "tenhem", "venhem" e "ponhem"1.

Note-se também que, dialetalmente – não na pronúncia padrão –, o i anti-hiático é frequente não só em sequências como «é ela»/«é ele», mas também e muito especialmente no encontro de dois aa em palavras diferentes:

«a água» > "a iágua"; «a Ana» > "a iAna".

São pronúncias sociolinguisticamente marcadas, que não fazem parte do padrão europeu, mas que se registam no centro e no norte de Portugal.

 

1 Em transcrição fonética, respetivamente: [teɲẽij̃] ou [tɐɲɐ̃j̃"]; [veɲẽij̃] ou [vɐɲɐ̃j̃]; e ['põɲɐ̃j̃].

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