DÚVIDAS

Ato ilocutório diretivo e intenção perlocutória

Deparei-me com o exercício de escolha múltipla abaixo que me parece algo ambíguo.

Na minha opinião, a resposta certa é a A, mas depois de consultar vários colegas da área e alunos, obtive mais do que uma resposta (A e B). Será que este exercício carece de reformulação já que num exercício desta tipologia se pressupõe que apenas exista uma resposta correta.

Leia a frase e selecione a mensagem de telemóvel correspondente.

«A D. Teresa pede à Ana para lhe levar o livro.»

A. Ana, preciso do livro hoje. Tem de o trazer esta tarde. Obrigada.

B. Ana, não se preocupe. Não faz mal. Pode trazer o livro amanhã?

C. Olá, Ana! Pode ficar com ele agora e na próxima semana dá-me o livro.

Resposta

A frase que apresenta claramente uma intenção equivalente à descrita no enunciado inicial é a A. Não obstante, por meio de um processo inferencial, a frase B também poderá visar o mesmo efeito.

O enunciado inicial descreve um ato ilocutório diretivo com valor de ordem, por meio do qual o locutor solicita ao interlocutor que realize a ação de trazer o livro.

Na alínea A, é apresentado um ato ilocutório que visa exatamente a intenção perlocutória assinalada acima: o locutor ordena ao interlocutor que lhe traga o livro e espera que este realize esta ação.

Na alínea B, por meio da última frase, o locutor realiza também um ato ilocutório diretivo, que pode procurar obter como efeito perlocutório a resposta à pergunta feita. O interlocutor poderá, assim, responder apenas «sim» ou «não», mas nada o obriga a realizar a ação de levar o livro. Todavia, poderemos considerar que o enunciado «Pode trazer o livro amanhã?» corresponde a um ato ilocutório diretivo indireto com uma intenção de ordem muito mitigada, o que se justificaria por uma razão de cortesia linguística. Poderemos identificar este processo em perguntas mais ou menos estereotipadas como «Podes passar o sal?» ou «Pode dizer-me as horas?», que visam não uma resposta afirmativa ou negativa, mas sim uma ação específica por parte do interlocutor: passar o sal ao locutor ou dar a indicação das horas. A ser essa a intenção da frase, estaríamos perante um ato ilocutório diretivo indireto que visaria igualmente o efeito descrito no enunciado inicial.

Consideramos, desta forma, que a frase apresentada na alínea B, sem outro contexto, pode gerar duas interpretações distintas, ambas justificadas. Assim, visto que a frase traz ambiguidade ao exercício, será de proceder à sua reformulação, tal como sugere a consulente.

Disponha sempre!

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