Na frase «ela vai viajar amanhã», o verbo ir é efetivamente um verbo auxiliar, que, associado a um verbo principal, exprime futuridade; como tal, tem uma função semelhante ao auxiliar will em inglês, o qual associado a um infinitivo também marca um valor temporal semelhante («she will travel tomorow»). Contudo, ir e will não são semanticamente equivalentes do ponto de vista histórico. Com efeito, o verbo ir é etimologicamente um verbo de movimento (do latim eo, is, īvi ou ĭi, ītum, īre; cf. Dicionário Houaiss), enquanto, em inglês, o verbo modal will tem origem num verbo volitivo equivalente a querer em português (o uso de will como auxiliar para marcar o futuro remonta ao inglês antigo; cf. s.v. will, no Online Etymology Dctionary). À construção formada por ir + infinitivo, chamam vários autores «futuro perifrástico».
Há certa correspondência semântica com as formas "sintéticas", mas, no uso atual, estas não têm exatamente os mesmos valores semânticos que a construção com auxiliar. A este respeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 526)1 considera o seguinte:
«O futuro simples também pode ter um valor modal epistémico, no qual se veicula incerteza ou não comprometimento do falante relativamente ao valor de verdade da frase, como se ilustra nos seguintes exemplos:
(39) a. Neste momento, o Primeiro-Ministro estará a ser recebido pelo Presidente.
b. A rapariga terá 20 anos. [...]»
Na referida gramática, acrescenta-se ainda a possibilidade de o futuro simples ter associado «um valor modal deôntico de obrigação na expressão de regras, leis ou recomendações, podendo, neste caso, aproximar-se da força ilocutória do imperativo» (ibidem; exemplos da fonte consultada): «Não matarás!» «Farão como lhes digo!» Também há atualmente diferenças do ponto de vista do registo e da tipologia textual, podendo afirmar-se que, em textos formais e no discurso literário, parece haver maior preferência pelo futuro simples.
Por enquanto, estes contrastes não são confirmáveis nas fases mais recuadas do idioma. A forma simples será mais antiga que a do futuro perifrástico, muito embora este esteja atestado desde o período medieval, como observa Rosa Virgínia Mattos Silva, em O Português Arcaico (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008, pág. 444):
«Ir + INF já é usado no período arcaico para a expressão de uma intenção a realizar-se (exemplos dos Diálogos de São Gregório)2:
Van demandar outro lugar.
Ia tomar o pan.
Foi demandar muit´agῖia [...]»
Mattos Silva (idem, pág. 445) observa, porém, que «[a] análise de sequências verbais com INF no período arcaico precisa ainda de uma estudo sistemático sobre documentação do período».
1 Sobre a perífrase verbal de ir + infinitivo, ver Gramática do Português, págs. 1263-1266.
2 Século XIV (1326-1375). Digitalização disponível aqui.