DÚVIDAS

«O mesmo» em português europeu

São várias as páginas do Brasil que apontam a utilização pronominal de «o mesmo» como sendo errada, conforme acontece em frases do género:

«O rapaz faltou à escola, porque o mesmo está doente.»

ou em posição final na frase, substituindo algum sintagma antecedente.

Ora, pelas diversas respostas disponíveis na vossa página, não há menção clara de que este tipo de construção seja errada.

Gostaria de perceber o que está errado: a explicação do Brasil ou aquela fornecida em Portugal?

Grata pela vossa ajuda.

Resposta

Em português europeu, não podemos considerar que a construção seja errada. Poderemos, todavia, considerar que será usada preferencialmente em determinados contextos.

Autores como, por exemplo, Rodrigues Lapa preferem o uso do demonstrativo «o mesmo» como anafórico de “objetos”: «Se é um objecto, emprega-se de ordinário o pronome este ou mesmo»1. Esta posição vai ao encontro do que sustentam vários gramáticos brasileiros, como Maria Helena Moura Neves (ver aqui).

Não obstante estas posições mais clássicas, é certo que, em português europeu corrente, mesmo pode ser usado como pronome que retoma um antecedente, uso assinalado por diferentes dicionários: «em posição nominal, com função de pronome, usa-se precedido de artigo definido e indica uma coisa ou pessoa que já foram mencionadas anteriormente»2. Vejamos a frase (1):

 (1) «Conheço este senhor. Asseguro-te que é o mesmo que encontrámos ontem.»

Em (1), «o mesmo» retoma o antecedente «este senhor» e assegura a coesão textual. Trata-se de uma construção disponível na língua.

Já a frase apresentada pela consulente, transcrita em (2), parece menos aceitável. Neste caso, será preferencial o recurso à elipse, como em (3), ou à retoma feita pelo pronome pessoal, como em (4):

(2) «O rapaz faltou à escola, porque o mesmo está doente.»

(3) «O rapaz faltou à escola, porque está doente.»

(4) «O rapaz faltou à escola, porque ele está doente.»

Este facto terá lugar eventualmente porque mesmo é usado preferencialmente para indicar «a coincidência, a identidade, a igualdade ou a semelhança»2. Daí o uso registado em (1).

Disponha sempre!

 

1. Lapa, M. Rodrigues, Estilística da Língua Portuguesa. Coimbra Editora, p. 166.

2. Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa.

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