DÚVIDAS

O topónimo Peso da Régua

Como Peso da Régua esteve no foco noticioso neste 10 de Junho, e por ter lido e ouvido o nome da cidade duriense ora com o artigo ora sem ele, quero esclarecer melhor a respeito de uma resposta no Ciberdúvidas, defendendo o uso do artigo, com o argumento da tradição.

Ora, a prevalecer esse critério, a verdade é que tanto o município local como a respetiva junta de freguesia denominam-se, oficialmente, Câmara Municipal de Peso da RéguaJunta de Freguesia de Peso da Régua e Godim.

Um segundo critério que se invoca sempre para a atribuição do artigo é o nome da localidade coincidir com um substantivo comum, tal como «(a) Figueira da Foz ou (o) Porto».

Como o nome Peso da Régua associa o termo peso («pesagem e pagamento de impostos das cargas que se destinavam ao cais da Régua») e régua («local de ajuntamento de cavalgaduras ou récuas junto ao cais fluvial»), está instalada a confusão...

Resposta

Há de facto os critérios que a consulente menciona, mas que têm numerosas exceções – o que não quer dizer que reine a confusão.

O uso tradicional corrente – pelo menos, o consolidado nos últimos cem anos – e, portanto, correto é com artigo definido a preceder o elemento Peso: «o Peso da Régua» (cf. Guia de Portugal, Vol V, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, p. 587 e 589). Sobre Régua, que ocorre em lugar do topónimo completo, não há dúvidas, pois os registos exibem sistematicamente o artigo definido: «Peso da Régua» (ibidem).

Mas convém realçar um aspeto: o uso que figura na designação dos órgãos autárquicos pode não ser o tradicional. Com efeito, acontece que, com muitos topónimos tradicionalmente usados com artigo definido, se prefere omitir o artigo definido nas denominações oficiais, ao que parece com a intenção de sugerir formalidade1. Este critério pode contrariar o uso local corrente; e também se pode referir o caso de «o Porto», que mantém o artigo definido em expressões como «Câmara Municipal do Porto».

Acrescente-se que é duvidoso que Peso da Régua tenha a explicação atribuída pela consulente. O topónimo parece resultar da junção de dois topónimos prévios: Peso, nome de um monte (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), cuja etimologia pode não ter que ver com a do nome comum peso; e Régua, que virá do latim regula, de regere («reger, governar»), subentendendo talvez barca, em referência à existência medieval de barcos mantidos pelo rei para a passagem do rio Douro (cf. A. Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999).

1 O filólogo, dialetólogo e etnógrafo Leite de Vasconcelos (1858-1941) observava que «é  tendência da língua portuguesa simplificar (e mesmo suprimir) do e da (e o plural) em de, antes dos nomes de terras, quando estes provém de substantivos communs, ou de nomes que se acompanham do artigo: assim diz-se Val d' Anta (Tras-os-Montes) por V. da Anta, e pode dizer-se Ponte de Lima em vez de P. do Lima». E acrescentava que «de tem-se como partícula nobiliárquica» (Lições de Filologia Portuguesa, 2.ª edição, 1926, p. 125, n. 1). Ler "Póvoa de Varzim e Póvoa 'do' Varzim".

 

Nota do consultor (14/06/2023) – Acrescentei um novo segundo parágrafo. Sem prejuízo do que agora se lê, assinalo que são antigas as oscilações no uso do artigo definido com o topónimo Peso da Régua. Esta variação é notória na fonte que refiro, ou seja, no Guia de Portugal, vol. V, onde, na bibliografia indicada na p. 587, se apresentam usos divergentes nos títulos de dois livros do mesmo autor (sublinhados meus): «José Afonso de Oliveira Soares, Apontamentos para a história da vila de Peso da Régua, 1902» (sem artigo definido antes de Peso); «id., História da vila e concelho do Peso da Régua, 1936» (com artigo definido antes de Peso).

 

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa