DÚVIDAS

O uso correto dos tempos verbais

Por favor, analisem as seguintes frases:

1) «Os sindicalistas pediram à direção da Petrobras que garantisse que não haveria demissões.»

2) «Os sindicalistas pediram à direção da Petrobras que garanta que não haverá demissões.»

Segundo um linguista brasileiro (Pasquale Cipro Neto), em 1, toda a ação parece circunscrita no passado, razão pela qual foram usadas as formas verbais garantissem (pretérito perfeito do subjuntivo) e haveria (futuro do pretérito do indicativo). Já em 2, foram usadas as formas verbais garanta (presente do indicativo do subjuntivo) e haverá (futuro do presente do indicativo). Segundo seu raciocínio, em 2, indica-se que, se houver demissões, elas ocorrerão no futuro (haverá), mas em relação ao presente (garanta). Já em 1, indica-se que, se houvesse demissões, elas ocorreriam no futuro em relação a todo o fato informado, que parece circunscrito ao passado (pediram).

Relativamente ao mesmo tema, analisem o seguinte trecho, retirado da revista Veja (14/03/12):

«Presidenta Dilma ordenou ao ministro dos Portos, Leônidas Cristino, que lance até junho o edital de concessão dos portos federais.»

Conforme algumas respostas sobre o mesmo tema no Ciberdúvidas, o tempo verbal da subordinada (lance) deve concordar com o da principal (ordenou), que não ocorre nos exemplos acima, porque há um entendimento por aqui (Brasil) – não sei se certo – de que, apesar de a ação da oração principal estar no passado, a ação que se espera da subordinada é para o futuro.

O que podem dizer sobre isso?

Resposta

Em português, do ponto da referência temporal, o pretérito perfeito pode ter dois valores:1

a) uma ação num tempo bem determinado e já acabado: «na década passada, os sindicalistas pediram (...) que garantisse...»

b) uma ação passada e perfeita mas num determinado período cronológico que ainda não findou: «hoje/esta semana/este ano os sindicalistas pediram (...) que garanta...»

Deste modo, não há qualquer violação da sequencialização dos tempos verbais (cf. M.ª Helena Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 173-178). Pelo contrário, a concordância existe, porque se faz em função de valores diferentes do pretérito perfeito simples.

1 Para a identificação destes dois valores, baseio-me no artigo de Roberto Ceolin, Falsos Amigos Estruturais: Entre o Português e o Castelhano, que compara o pretérito perfeito simples e composto do português com os do castelhano normativo da Península Ibérica. Os dois valores aparecem marcados por tempos diferentes no castelhano: a ação num tempo determinado, pelo simples; a ação acabada no tempo da enunciação, pelo composto:  

[Se] duas acções coexistem numa mesma frase, o composto serve para enunciar aquela que estiver mais próxima do momento de enunciação:

1. Ayer comí en casa pero hoy he comido en el restaurante aquí al lado

Em relação ao momento de enunciação ambas as acções são pretéritas, mas uma se relaciona com ayer e outra com hoy. A mesma frase em português seria:

2. Ontem, almocei em casa mas hoje almocei no restaurante aqui ao lado

Ambas formas castelhanas — simples e composta — são equivalentes a formas simples em português.

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