DÚVIDAS

Os sufixos -ita e -ida

No que diz respeito ao uso de sufixos, gostaria de saber se há algum meio efetivo de determinar quando usar -ita ou -ida para construção de etnônimos. Me indago a respeito disso, pois lendo a bibliografia em geral, não encontro uma suposta regra minimamente geral que permita identificar o que busco.

Para não deixar em abstrato, se por um lado alguns etnônimos como iemenita ou moabita apenas são registrados com -ita (nunca -ida) em dicionários e obras lexicográficas, outros casos como gassânida ou cáicida ocorrem paralelamente como gassanita ou caicita, respectivamente.

Algumas não têm registro direto no português, mas ocorrem em obras neolatinas e castelhanas, como taglibita ou almoravita.

Por fim, para outros, como merínida (dos Benamerim de Marrocos), somente há registro com -ida no VOLP da Academia Brasileira de Letras e demais obras léxicas de referência, embora esse exemplo final ocorra em obras mais antigas (fins do século XIX e início do XX, disponíveis parcialmente no Google) com sua variante merinita.

Agradeço desde já.

Resposta

Não é possível prever com toda a exatidão quando se usa um ou outro sufixo. Muito parece depender da história de uso, embora factores de ordem semântica tenham de ser considerados.

Sobre os dois sufixos em questão, convém atentar, por exemplo, na informação facultada pelo Dicionário Houaiss:

«1) [-ita] ocorre num bom número de helenismos, greco-latinismos e assimilados, já como gentílicos, já como seguidores de doutrinas ou religiões, já como hierarcas; correspondente ao grego -ítēs (2g.), alatinado -īta (2g.) (e, mais tarde, também -ītēs, -ītis), formador de adjetivos e substantivos (estes, de origem adjetival) como "algo conexo com, membro de"; na base de padrões clássicos, como israelita, levita, moabita, sibarita (gentílicos), sobre os quais se fizeram formas tardias como maronita, monofisita, foi usado para formar nomes de produtos naturais, minerais, gemas (antracita, hematita); atravessando, como morfema erudito, a língua portuguesa do século XIV ao presente (quando vem sofrendo forte influência da uniformidade terminal de -ite francesa e inglesa), -ita vem aparecendo: 2) em palavras já do grego, já do latim, como antropomorfita, benjamita, canaanita, eremita, estagirita, fatimita, hamita, ismaelita, israelita, levita, maronita, monofisita, sadomita, semita, sibarita (todas de dosi géneros); 3) em palavras de formação moderna análoga: jacobita, luddita, pré-rafaelita, wycliffita [...].»

Quanto a -ida, que é um sufixo átono (o acento tónico da palavra sufixada recai sempre na base da derivação e nunca no sufixo), lê-se na mesma fonte:

«[ocorre] em formação simétrica de ´-ido [...], na acepção geral de "filho de, oriundo de, provindo de, descendente de", da terminologia histórica (mítica, mitológica) e das fisiociências: abádida, [...] almorávida, aquemênida, fatímida, [...] homérida, sassânida, selêucida [...].»

Desta informação, é possível propor as seguintes generalizações:

a) -ita, mais corrente do que o sufixo ´-ida (cujo acento associado recai sempre na última sílaba da base da derivação), figura em etnónimos, gentílicos e nomes pátrios: iemenita, vietnamita, israelita;

b) ´-ida tem origem num sufixo patronímico grego e, portanto, surge em alusão a famílias, clãs e dinastias: aqueménidas (membros da dinastia fundada por dinastia persa fundada por Aquêmenes), sassânidas (membros da dinastia persa cujo primeiro rei era neto de Sassan ou Sassano), selêucidas (membros da dinastia fundada por Seleuco), a que se pode juntar, no plano mítico e literário, o conhecido caso de lusíadas (literalmente, «filhos de Luso»).

Há casos, em que os dois sufixos são possíveis, talvez por alguma confusão, quando se trata de grupos político-militares que podem ou não ter origem em linhagens ou clãs ou que podem ser concebidos de duas maneiras, quer como clã quer como grupo confessional ou etnónimo. É o caso de fatímida, que tem a variante fatimita, e, ao que parece1, os casos de gassânida e cáicida.

Quanto a almorávida, encontramos o registo da variante almorávide (coincidente com a forma espanhola), mas não a de "almorabita".

Finalmente, merínida também exibe o sufixo ´-ida, visto que se relaciona com um clã berbere e o seu patronímico, Beni Merin (ou Benamerim, literalmente «filhos de Merin» – ver "Império Merínida", Wikipédia2). A forma merinita, não sendo impossível, é, portanto, discutível.

 

1 Em dicionários gerais, não foi possível confirmar esta conclusão, que decorre da consulta de artigos da Wikipédia, que têm por vezes a desvantagem de serem pouco fiáveis.

2 A fonte da informação suscita as reservas expressas na nota 1.

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