Passando ao lado do comentário acerca dos valores das frases condicionais, e assumindo, desde já, que não sou especialista em relações temporais, concentremo-nos nas frases em apreço, que repito, numerando-as:
(1) No dia em que não faça mais uma criança sorrir, vou vender abacaxi na feira.
(2) Quando venha, terei tempo de fazer isso.
Tal como a consulente, também aprendi que os tempos se articulam entre si, coincidindo presente com presente, futuro com futuro, pretérito com pretérito. No entanto, exemplos do uso diário desmentem esta regra geral. A frase «Amanhã vou ao cinema» será aceite, creio eu, por todos os falantes de português. Do ponto de vista literário, há, até, a entidade “presente histórico”, que permite relatar no presente – de forma total ou parcial – acções assumidamente pertencentes ao passado. É neste âmbito de liberdade pragmática que se situa a frase (1) citada por Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 471. Os mesmos autores dizem na página 449:
«O emprego comedido do presente para designar uma acção futura pode ser um meio expressivo de valioso efeito por emprestar a certeza da actualidade a um facto por ocorrer.»
A par desta situação, que poderemos considerar genérica, há que ter em conta a ocorrência do conjuntivo, ou subjuntivo, em frases, ou orações, subordinadas. Aí, para além do valor pragmático do tempo verbal (e mesmo do modo) a conjunção (ou complementador, ou transpositor, não sei qual a designação que lhe é mais familiar) também condiciona o uso de um ou de outro. Por vezes, como dizem os autores já referidos, o conjuntivo é mesmo «um mero instrumento sintáctico de emprego regulado por certas conjunções» (p. 468).
Creio que não é só o conjuntivo que é condicionado pela conjunção, mas também o tempo verbal. De facto, se, enquanto falante de português como língua materna, aceito (1) introduzida pela expressão temporal no dia em que, já tenho dificuldade em aceitar (2). E teria, igualmente, dificuldade em aceitar (1) se fosse introduzida por quando, como exemplifico em (3):
(3) ?Quando não faça mais uma criança sorrir, vou vender abacaxi na feira.
Com quando, só aceito, claramente, o futuro do conjuntivo:
(4) Quando não fizer mais uma criança sorrir, vou vender abacaxi na feira.
Provavelmente, a explicação para este facto está menos relacionada com a expressão de tempo em si do que com as características da palavra quando, por alguns considerada como pronome (ou advérbio) relativo de valor temporal. Neste aspecto, segundo Telmo Móia, no artigo intitulado «Sobre a categorização das orações com como e quando na literatura», in Actas do XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, e disponível em aqui, o português aproxima-se do italiano, e distancia-se do espanhol, pelo que a frase (2) poderá, efectivamente, ilustrar o “portunhol”, ou seja [para quem lê este artigo, para além da destinatária directa], construções híbridas entre a gramática das duas línguas, características de zonas fronteiriças. Como bibliografia sobre este assunto, o artigo que refiro contém alguma que lhe pode interessar. Telmo Móia tem outros artigos e obras sobre estruturas temporais, todos com bibliografia, neste endereço, donde poderá, inclusivamente, descarregar o texto de alguns.