DÚVIDAS

Se impessoal e verbos intransitivos

Li, na Gramática de Napoleão M. Almeida, que o pronome se só pode indicar impessoalidade quando acompanha um verbo intransitivo, transitivo indireto, ou um transitivo direto cujo complemento é preposicionado (e.g.: Louva-se aos juízes).

Ele diz que, não preposicionando os objetos nos verbos trans. diretos, «elas [as palavras que têm essa função] forçosamente passariam a funcionar como sujeitos [i.e. a construção passaria a ser passiva]», e que construções como «Louva-se os juízes», onde o objeto não é preposicionado, seriam galicistas, por atribuírem ao pronome se a função reta.

Qual é o motivo do pronome se não poder indicar impessoalidade com os verbos transitivos diretos sem que o objeto destes seja preposicionado? E por que na construção «Passeia-se bem do Rio de Janeiro» o se não seria sujeito, ao passo que em «Louva-se os juízes» erroneamente se lhe atribuiria a função reta?

Obrigado.

Resposta

Aquilo que o gramático Napoleão M. de Almeida chama de se impessoal é o que, tradicionalmente, passou a se chamar no Brasil de pronome se indeterminador do sujeito (ou partícula de indeterminação do sujeito, ou índice de indeterminação do sujeito)*.

Esse se, ligado a verbo na 3.ª pessoa do singular sem sujeito explícito na frase, tem o papel de indicar que o tipo de sujeito da oração é indeterminado.

Consoante o ensinamento da tradição gramatical brasileira, isso ocorre com:

1- Verbo de ligação («Lá, fica-se feliz quando há sol» / «Só se é feliz com saúde»);

2- Verbo intransitivo («Aqui se vive bem, mãe» / «Passeia-se bem no Rio de Janeiro»);

Obs.: Note que, no segundo exemplo (dado pelo consulente), o verbo passear é intransitivo, logo o se é uma partícula de indeterminação do sujeito, isto é, o sujeito da frase é indeterminado.

3- Verbo transitivo indireto («Confia-se em Deus nesta igreja» / «Precisa-se de ajuda»)

4- Verbo transitivo direto seguido de objeto direto preposicionado («Ainda não se bebeu do vinho» / «Louva-se aos juízes»).

Segundo a tradição gramatical, construções do tipo «verbo transitivo direto (3.ª p.) + se + sintagma nominal (com função se sujeito)» constituem a voz passiva sintética — exemplos: «Neste estádio de futebol, elogia-se o juiz» (Neste estádio de futebol, o juiz é elogiado); «Aqui se elogiam os juízes» (Aqui os juízes são elogiados).

Note que, segundo as regras de concordância verbal, as formas verbais das frases acima (elogia, elogiam) concordam em número e pessoa com os sujeitos («o juiz», «os juízes»). Assim, se usássemos «Elogia-se os juízes», haveria um desvio de concordância verbal, pois o verbo não estaria em concordância com o assim considerado sujeito paciente. Esta é a visão ensinada dentro da tradição gramatical.

No entanto, há estudos linguísticos que não seguem essa visão tradicional, compreendendo o seguinte: estruturas como «Elogia-se os juízes», «Louva-se as mulheres», «Aceita-se encomendas», «Aluga-se casas», etc. devem ser assim classificadas: verbo transitivo direto (3.ª pessoa do singular) + se indeterminador do sujeito + objeto direto.

Portanto, há duas visões conflitantes sobre essas estruturas linguísticas: a tradicional e a não tradicional. A primeira entende que «Louva-se os juízes» apresenta erro de concordância, devendo ser «Louvam-se os juízes». A segunda visão assume que não há erro de concordância e que «Louva-se os juízes» é um caso de indeterminação do sujeito, assim como os quatro casos apresentados mais acima.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical do Brasil.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa