DÚVIDAS

Sobre os topónimos Sande, Sendim e Sinde

A pergunta é se há estudos sobre a hipótese de Sande e Sendim serem topónimos celtas?

Leigamente, parece haver indícios de serem parte do substrato. Estes são topónimos foneticamente próximos extremamente comuns nos territórios da Galécia, como Sande em Lamego, ou mesmo o vizinho de Sendim da Serra, Sendim da Ribeira. Um pouco mais a sul, encontramos Sinde em Tábua. Encontram-se desde as Beiras até ao extremo norte da península. Para Sande especificamente, é comum serem atribuídos à antroponímia (que não poderá vir ela mesma de toponímia)?

Num rápido estudo leigo; no celta insular galês, encontramos dinas para «cidade» e din para «castro» / «forte» (Pierre-Yves Lambert, La Langue gauloise). Sena é nome celta/túrdulo de Seia, mas sem sabermos significado original. Noto que no protocelta sindos seria «isto» – cf. https://en.wiktionary.org/wiki/Reconstruction:Proto-Celtic/sindos e https://en.wiktionary.org/wiki/san. Algo simploriamente, ficaria algo como "sindodin" ou "sandodin", «esta cidade».

Adicionalmente:

Diz-nos Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno: Diccionario, «a todas as freguesias a que hoje se dá o nome de Sendim e Sindim se chamava antigamente Sandim».

Almeida Fernandes e Joseph-Maria Piel teorizam boa parte destes topónimos serem germânicos, Pinho Leal contrapõe com diferenciados arabismos e latinismos para cada localidade.

Resposta

Agradecem-se as questões que o consulente levanta em relação a uma área de investigação a que nem sempre se dá a devida atenção.

Sem poder excluir completamente a hipótese de uma origem direta no céltico – plausível no norte da Galiza ou, talvez mais ainda, na região castelhano-aragonesa entre Sória e Teruel e menos provável na maior parte do atual território de Portugal continental –, a proposta de os topónimos em questão terem origem na antroponímia germânica é a mais aceite.

Com efeito, muita da toponímia do norte de Portugal com a da Galiza e do ocidente das Astúrias e Leão se deve sobretudo aos nomes de proprietários que se estabeleceram na fase das chamadas presúrias autorizadas por reis e notáveis do reino alto-medieval galego-asturo-leonês. Esta é a hipótese mais provável que Piel defende e documenta solidamente e que Almeida Fernandes não parece contestar globalmente (pode é criticar no pormenor).

Quanto a Pinho Leal, sem rejeitar a importância da sua obra Portugal Antigo e Moderno, sobretudo pelo registo de lendas à volta da toponímia, é, no entanto, um autor ultrapassado pelo trabalho científico de Leite de Vasconcelos, Joaquim da Silveira, Ferraz de Carvalho, José Joaquim Loureo, entre outros investigadores, muitos deles com trabalhos publicados na Revista Lusitana e em O Instituto. Mais tarde, os trabalhos dos já mencionados Piel e de Almeida Fernandes, aos quais se junta Pedro Cunha Serra, são marcantes, sobretudo os do primeiro, no que toca a toponímia de origem germânica. Mais recentemente, para os estudos da toponímia mais arcaica, das épocas pré-romana e romana, destacam-se os trabalhos de Amílcar Guerra e de Jorge de Alarcão.

Quanto aos topónimos em questão, segue-se a cada uma breve atribuição etimológica:

– Sande (Lamego): remonta à forma Sandi, genitivo de Sandus, forma alatinada de um antropónimo com origem no gótico *sanþ1, «verdadeiro»2.

Sendim da SerraSendim da Ribeira (situam-se no concelho de Alfândega da Fé): de Sendini, genitivo do antropónimo Sendinus, com origem no radical gótico *sinþ, «caminho, ida, expedição militar»; não é de excluir que, pelo menos, em Portugal, alguns casos de Sandim estejam por Sendim e vice-versa.

– Sinde (Tábua): é variante de Sende (Monção), e tem também origem no gótico *sinþ, «caminho, ida, expedição militar».

Em suma, todos têm origem em nomes próprios medievais de origem germânica (mais precisamente, gótica).

 

1 Na escrita gótica, o caráter þ representa geralmente uma consoante interdental surda, semelhante à que se produz em inglês, por exemplo, em thought («pensado, pensamento»)

2 Consultaram-se as seguintes fontes: Joseph-Maria Piel, "Os nomes germânicos na toponímia portuguesa", Boletim de Filologia, 1939, pp. 334/335; Joseph-Maria Piel e Dieter Kremer, Hispano-gotisches Namenbuch, Heidelberga, 1976; José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003.

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