Como não dispomos de elementos documentais que atestem, concludentemente1, a origem da expressão «sorriso amarelo», limitamo-nos a aventar a seguinte possibilidade, consultados alguns dos nossos especialistas mais identificados com estas curiosidades da nossa língua.
Os Chineses, que respeitam as tradições culturais, sorriem frequentemente porque essa é uma norma da sua cultura. Para os estrangeiros, nomeadamente os europeus, eles sorriem sempre, mesmo que a contragosto, forçadamente ou de forma fingida (é este o sentido da expressão «sorriso amarelo», também usada na variante «riso amarelo»). Inclusive, em situações em que o sorriso possa disfarçar hostilidade ou desagrado, portanto, com um «(sor)riso fingido». Esta ideia feita é, provavelmente, uma herança dos tempos da ocupação colonial inglesa, ou até mesmo antes, dos primeiros contactos dos portugueses na China – épocas em que prevalecia a há muito ultrapassada associação dos povos orientais à “raça amarela”. «Sorriso de amarelo» – com os “amarelos” (ou seja, os Chineses) vistos pelos ocidentais até como exímios negociadores, capazes de sorrir mesmo em situações de claro desfavorecimento – terá dado, depois, «sorriso amarelo»? Com a mesma (provável) origem temos ainda frases como «perigo amarelo», «paciência de chinês» e «vingança de chinês», por exemplo.
1 Orlando Neves (in Dicionário de Expressões Correntes, Editorial Notícias, Lisboa) aventa, por seu lado, a seguinte hipótese: «Riso amarelo. Este pobre "amarelo" tem triste fama. Do "amarelo" não se gosta. Vejamos a história da palavra que é a história da própria cor e que, no conjunto, dá o sentido à expressão: "riso fingido, traiçoeiro, por entre dentes, de despeito, contrafieto, comprometido, falso". Essa história começa mal. Provém o vocábulo do latim hispânico 'amarellau', que significa "pálido" e é, por sua vez, o diminutivo do latim 'amaru', ou seja, "amargo, acre, difícil". Talvez em épocas idas se aplicasse aos doentes de icterícia, que ficam amarelos devido a alterações na secreção da bílis ou o humor amargo. Daí por diante, o seu percurso semântico é vário, oposto, duplo, contraditório. A seu favor, teremos a conotação com o Sol, de que se tornou cor emblemática. Por extensão da luz solar, representa a cor atribuída aos deuses e ao poder dos reis, príncipes e imperadores, então, de origem divina. Em muitas pinturas antigas é a tonalidade de fundo, para simbolizar a santidade dos retratados. Na mitologia grega e, depois, na liturgia católica, o amarelo ligava-se ao negro para transmitir significações fúnebres. Na Idade Média era a luz do Inferno, da inveja, do ciúme, da traição e do engano. Por isso se associava, igualmente, ao adultério, rompimento de laços sagrados e divinos do matrimónio, por intervenção luciferiana. Recordemos que, nesses tempos, os hereges e os pestíferos eram compelidos a usar trajes amarelos. No domínio da Inquisição, os condenados à fogueira envergavam o sambenito, hábito em forma de saco, talhado e cosido num tecido de lã felpudo, evidentemente amarelo. Mas na Idade Média torna-se a cor tradicional de Judas, o traidor por excelência. Do pérfido apóstelo passa, logicamente, para a sinalização de todos os judeus, que, em muitos locais, tinham a obrigação de se vestir de amarelo. Já no nosso tempo esta tradição foi retomada pelos nazis, quando impuseram o uso da estrela amarela identificadora. E, nos dias de hoje, não se chamam "amarelos" aos trabalhadores que furam uma greve? De nada valeu à cor uma certa recuperação da imagem quando, em muitos países onde se pratica o ciclismo, a camisola amarela se tornou símbolo do vencedor, do corredor que comanda uma prova, de glória, em resumo. Como também de nada lhe tinha valido Gothe ter escrito: "o amarelo é uma cor alegre, graciosa e terna", embora acrescentando logo de seguida: "mas a mais leve mistura desvirtua-a e torna-a desgradável". Não foi, pois, à representação solar, penetrante e luminosa, que a expressão foi buscar a sua razão de ser, mas, sim, à concepção negativa medieval, judaica.»