DÚVIDAS

«Todas as músicas que sabe(m) bem ouvir»?

Ouço diária e insistentemente numa estação de rádio a frase seguinte, que me parece incorreta: «Todas as músicas que sabem bem ouvir.»

Esta frase, tal como é dita, parece querer significar que as músicas é que sabem ouvir, e até muito bem(!) quando o que creio que o autor da frase deverá querer significar é que nos sabe bem ouvir todas essas músicas.

Tendo como propósito este último significado, não se deveria dizer: «Todas as músicas que sabe bem ouvir»? Gostaria de conhecer a vossa opinião sobre estas questões (correção e significado).

Resposta

De facto, tendo em conta a forma como o enunciado está construído, parece não haver dúvidas de que o verbo saber concorda com o constituinte músicas, sendo este o antecedente do pronome relativo que.

Assim, a não ser que haja efetivamente um erro de natureza sintático-semântica na construção da frase, dificilmente poderemos entender a mesma à luz mais restrita do significado da locução «saber bem» («ser saboroso; satisfazer o apetite; ter bom gosto, agradar» – Dicionário Houaiss; Infopédia): «Todas as músicas que sabe bem ouvir.»

Contudo, como refere o prezado consulente, trata-se, pelo que entendo, de uma espécie de spot publicitário adotado por uma rádio portuguesa. Deste modo, e tendo em conta o contexto específico em que se enquadra a referida frase, julgo que a podemos interpretar tendo em conta um escopo, digamos, mais criativo.

Assim, penso que não será descabido se aceitarmos a existência da elipse, por exemplo, do pronome vocês, entre os constituintes músicas e sabem, como forma de estabelecimento de pontes de contacto entre a rádio e o próprio ouvinte: «As músicas que (vocês) sabem bem ouvir», ou até – porque não? – de uma espécie de personificação das próprias músicas escolhidas pela estação radiofónica em causa: «As músicas que sabem bem ouvir (os gostos dos nossos ouvintes).» Neste caso, os responsáveis pelo referido spot poderiam eventualmente estar a querer dizer que, nesta rádio, escolhem-se as músicas «que sabem ouvir o ouvinte», isto é, que vão ao encontro dos gostos dos ouvintes, provando que a rádio está atenta e preocupada com o seu público-alvo.

Naturalmente que este spot, partindo do princípio que foi pensado para ter um determinado efeito no ouvinte, e de que não se encontra ferido por um erro sintático-semântico, acaba por fazer transparecer algo de enigmático, o que faz, por exemplo, com que o estejamos aqui a discutir e a analisar. É que, muitas das vezes, o objetivo é mesmo esse.

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