DÚVIDAS

«van Dunem», «van-Dunem»,
«Van Dúnem» ou «Van-Dúmen»?

O nome da atual ministra da Justiça de Portugal tem sido grafado, na maioria das publicações noticiosas, como Francisca Van Dunem (com v maiúsculo). Segundo consta, o apelido é de origem holandesa e existe uma grande descendência dos van Dunem em Angola, de onde é natural a ministra. Na Internet encontra-se referência também às variantes "Van-Dúnem" e "Van Dúnem". Ao longo do tempo é natural que os nomes próprios vão alterando a sua grafia, e penso que a grafia correta do nome de cada pessoa é a que consta nos seus documentos oficiais ou a que a própria utiliza. Se assim for, e, se a pessoa a quem nos referirmos como "Van Dunem"/"Van-Dúnem"/"Van Dúmen" se chamar, de facto, assim, não há qualquer objeção à grafia usada. Estou certo? Pergunto-me, no entanto, se o uso de um v maiúsculo no nome da ministra é o correto ou se é apenas uma gralha, do mesmo género de quando se escreve «Leonardo Da Vinci» ou «Vincent Van Gogh»?

Obrigado desde já e parabéns pelo trabalho!

Resposta

É tal qual o que escreve o consulente. Ou seja:

1.    O apelido da nova ministra portuguesa da Justiça escreve-se com v minúsculo, sem hífen e sem acento no u: van Dunem. É assim que ela e a sua família assinam – e, como tal, é assim que devemos grafar: Francisca van Dunem.

O apelido é de origem holandesa, como a própria magistrada luso-angolana contava ao semanário Expresso de 2009, assim recordado na peça que sobre ela veio à estampa no jornal Público de 29 de novembro p.p.: «É um nome tradicionalmente angolano, com quatro séculos. Vem de um holandês que trabalhou para a coroa portuguesa e se estabeleceu em Angola. Relacionou-se com uma angolana com quem teve uma larga prole. Os respectivos descendentes decidiram seguir o exemplo e há imensos Van Dunem”. Contudo, “nem todos os apelidos Van Dunem correspondem à linhagem original, pois não raras vezes os escravos tomavam o nome dos senhores”, refere um amigo de família, que solicita o anonimato.»

2.    A adoção de corruptelas do nome vernáculo holandês pode, portanto, explicar as outras grafias que se disseminaram em Angola: com hífen, com o v maiúsculo e acento no u, como é caso do atual ministro da Saúde, José Van-Dúnem.*

3.    Corruptela do vernáculo holandês ou menor rigor na sua grafia*, o que prevalece no uso – seja com os nomes próprios como com os apelidos – é o que ficou registado e é usado pela tradição familiar. Por isso, temos os Vítor e os Victor, os Aires e os Ayres, os Nobre Correia e os Nobre-Correia, os Queirós e os Queiroz, os Tomás e os Thomaz, e por aí adiante.

4. De qualquer modo, procurando afeiçoar o nome próprio em questão às regras ortográficas do português, não se justifica a forma “Dúnem” entre as suas variantes gráficas, porque as palavras graves terminadas por –m não têm acento gráfico (cf. imagem, nuvem, ordem). Daí que Dunem se saliente como grafia recomendável.**

* Na eventualidade de se pensar que o hífen se deve a alguma influência holandesa, fica esta observação de Luciano Eduardo de Oliveira, com os devidos agradecimentos: «Os nomes holandeses nunca usam hífen entre a preposição van e o termo seguinte (até porque é de preposição que se trata). Já o acento agudo tem uso restrito em holandês: é usado às vezes para enfatizar a palavra ou para a diferenciar de outra homógrafa, como vóór («antes«), em vez de voor («para»), caso o contexto não permita depreender o significado pretendido.»

**Esse menor rigor acontece, amiúde, como nesta notícia, com o apelido da nova ministra luso-angolana a ser grafado ora com hífen, ora sem hífen, e com o v maiúsculo… E acontece, em geral, com outros nomes holandeses com a preposição van – que deve ter o mesmo tratamento gráfico dos seus correspondentes von, em alemão, ou de, em português, espanhol e francês. Isto é: em maiúscula apenas quando isolada com o apelido, e em minúscula com nome completo. Por exemplo: Van Gaal, mas Louis van Gaal; Van Persie, mas Robin van Persie; Van Gogh, mas Vincent van Gogh. Tal como devemos escrever Von Braun, mas Wernher von Braun. De Gea (num caso espanhol), mas David de Gea, se escrevermos o nome completo. Ou, como já é muito usual no português, Dos Santos, mas José Eduardo dos Santos.

*** Para este esclarecimento, agradeço igualmente a colaboração de Carlos Rocha e D'Silvas Filho.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa