DÚVIDAS

Predicativo do complemento direto: uma análise alternativa

Relativamente à [resposta] intitulada O predicativo de complemento direto e o complemento direto, [...] faria duas observações e uma proposta [fundamentando-as semanticamente].

Observações:

«… são também «selecionados pelo verbo os predicadores secundários com a relação gramatical de predicativo do sujeito [quando tal verbo pertence à subclasse dos verbos copulativos] e de predicativo do complemento direto, quando o verbo pertence à subclasse dos verbos transitivo-predicativos ou quando se trata de construções resultativas» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 290).»

Observação 1: «… selecionados pelo verbo…» — o verbo não é do âmbito da frase, mas sim do âmbito das palavras; é uma classe de palavras, quanto à função semântica; aqui, na análise sintática, é o correntemente chamado núcleo do predicado; a lógica das coisas não funciona com esta confusão de planos de análise.

Observação 2: «… os predicadores secundários com relação gramatical de predicativo do sujeito… e de predicativo do complemento direto…» — misturar, desta maneira, predicador e predicativo é não respeitar as palavras e os conceitos, o que, quando se trata do conhecimento explícito da língua, é particularmente grave!

Proposta:

Análise sintática alternativa:

«Acho-os grosseiros e enfadonhos.»

Referente (Sujeito): (Eu)

Predicado: «Acho-os grosseiros e enfadonhos»

Predicador: «Acho»

Modificador suplementar do predicador: «grosseiros e enfadonhos»

Modificador complemento do predicador (c. direto): «os»

Fundamentando: Só por si, no contexto em apreço, o predicador «acho», não seleciona complemento direto, porque não significa o que significa, por exemplo, em «… eu perdi o meu amor e, às escuras, não o acho». Só passa a selecionar complemento direto («os»), quando suplementarmente modificado por «grosseiros e enfadonhos».

[Passo], agora, [a] fundamentá-la [esta proposta alternativa de análise] sintaticamente:

Se as gramáticas não fossem perfeitamente caóticas no que aos conceitos diz respeito, teriam reparado que não pode haver predicativo sem predicador (ver Separar a sintaxe da semântica).

No caso vertente, para cumprir tal requisito, o verdadeiro predicativo — «(Acho)-os grosseiros e enfadonhos» — teria de se transformar numa predicação autónoma — «(Acho) que (eles) são grosseiros e enfadonhos.» Assim, a expressão «grosseiros e enfadonhos», por intermédio do predicador são, já seria um predicativo, mas um predicativo do sujeito.

Eis como a falta de rigor, nas palavras e nos conceitos, conduz a erros de análise. Neste caso, provocou a crença numa analogia impossível. E, de um só golpe, perverteu a semântica e a sintaxe. Se considerarmos que o português se aprende nas gramáticas e que os portugueses pensam em português, não podemos deixar de ficar angustiados!

Resposta

Agradecemos as suas observações, mas mantemos a resposta como está. Não nos parece que haja confusão de planos na análise proposta: o que acontece é que aos conceitos sintáticos está também associada informação semântica. Quando, na perspetiva de Mateus et al. 2003, se fala em seleção, quer-se com isso dizer que os itens lexicais que são núcleos de constituintes têm propriedades semânticas que definem compatibilidades com outros itens em outros núcleos. A análise que o consulente propõe assume outra perspetiva teórica e parece usar o termo modificador de forma diferente da que é típica no Dicionário Terminológico, pelo menos, pelo facto de considerar que o predicativo do sujeito tem associado um predicador que modifica o próprio predicador. Talvez esta análise se aproxime da que E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 429) propõe, quando descreve a possibilidade de o predicativo do complemento direto ser introduzido por uma preposição ou equivalente.

Quanto à fundamentação sintática apresentada, penso que ninguém nega o que afirma o consulente — pode realmente haver gramáticas que não sublinhem a relação entre a dimensão semântica e a sintática —, mas a sua proposta de análise terá o seu lugar num quadro teórico que aguarda certamente a sua oportunidade para ser exposto com mais demora — não aqui nas páginas do Ciberdúvidas, mas certamente como artigo publicado noutro contexto que não o nosso, que tem intuitos de divulgação. Penso também que o que diz, não sendo exatamente igual ao que se pressupõe em Mateus et al. 2003, é muito semelhante, porque um predicativo do sujeito, na perspetiva dessas autoras, é o predicado de uma oração pequena que posteriormente se realiza como predicativo do complemento direto.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa