As palavras nomeiam conceitos, objectos, acções e outras figuras do pensamento lógico humano. Por isso, penso que as palavras derivadas de outras devem manter um radical comum identificador da respectiva figura de pensamento. E os prefixos, sufixos e infixos também eles devem ter cada um o seu radical, correspondente à figura de pensamento que identificam. Era dentro deste tipo de lógica que, nos meus tempos de juventude, nos ensinavam algumas noções de etimologia das palavras, coisa que nos permitia compreender que a linguagem é pensamento posto em palavras e frases. Com o Acordo Ortográfico actual, a etimologia é mandada "para as urtigas" e com muitas (demasiadas) das novas grafias aumenta a distância (por vezes para o infinito...) entre aqueles radicais etimologicamente reconhecíveis como associados às respectivas figuras de pensamento e a grafia acordatícia. Com essas novas grafias, como se vai explicar à juventude e de modo coerentemente lógico esta íntima relação entre língua, frases, palavras (principalmente, palavras) e o pensamento, o raciocínio, a abstracção, o conceptual, o relacional, etc.? Parece-me que a nossa língua assim se aproximará de um conjunto de termos que simplesmente se decoram, memorizam, como se memorizam os algarismos, por exemplo, e assim se perde algo de muito humano: a linguagem enquanto pensamento expresso.
Em referência à pergunta de Alberto Virella sobre a formação da palavra menino, gostaria de contribuir algumas considerações que poderiam ser interessantes para ele e para todos.
No século XVIII, Frei Martín Sarmiento, a grande figura galega do Iluminismo, na sua obra Colectânea de Vozes e Frases Galegas, encontra na forma latina minimus (superlativo de «pequeno») a origem da forma menino. A mesma origem é dada por Francisco del Rosal (1601) para o equivalente espanhol niño. Outra forma latina relacionada é minor, provávelmente origem da forma catalã minyó e das forma francesas mignot e mignon. Para o significado «pequeno», o português tem também a forma mindinho (o dedo pequeno), que também foi o nome do trovador galego-português Meendinho.
Em inglês, a forma minion – tirada do francês – tem, entre outros, os significados «escravo, criado» – no sentido de um «moço pequeno ou menino jovem que está ao serviço de alguém» – e também, em sentido carinhoso, «querido» ou «queridinho» (V. Kernerman English Multilingual Dictionary © 2006-2013 K Dictionaries Ltd; American Heritage® Dictionary of the English Language, Fifth Edition. Copyright © 2011 by Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company; Collins English Dictionary – Complete and Unabridged © HarperCollins Publishers 1991, 1994, 1998, 2000, 2003, entre outros).
Com estes significados de «moço, criado» e «jovem» achamos as formas mininho e meninho nos cancioneiros medievais galego-portugueses:
«– MININHO = menino, jovem: {Pero Garcia d´ Ambroa} o beesteiro, com´ era mininho,/non catou quando s´ achou nos colhões! 331.20. || Criado, servo: {D. Pedro de Portugal} e disse-me un seu mininho / que ben certo foss´ eu disto 328.11.
«– MENINHO = menino: {Estevan da Guarda} pero parece menin[h]o, / ... parar-se quer a tod´ alvoroço 116.4 || adj. {adx.} = juvenil: {Afonso Soarez} pero x´ el é mancebo, quer-x´ ela mais meninho 67.2, 7, 12, 17. || Servo, mancebo: {Pedr´ Amigo de Sevilha} e log´ un seu meninho / troux´ o lume na mão 322.10. Na alta Idade Média os servos chamavam-se também pueri , designação mais tarde substituída por mancipii («mancebos»). Os termos meninho, moço são os correspondentes vulgares dessas formas latinas, aplicadas a serviçais ainda jovens» (Em M. Rodrígues Lapa, Cantigas d´escarnho e de mal dizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses. Vigo: Galaxia ["Vocabulário galego-português", pp. 1-111]).
Por razões óbvias, em português foi conservada sempre a forma ortográfica com nh, dígrafo de origem occitana introduzido em Portugal no século XIII. A ortografia galega não foi estandarizada oficialmente sobre o modelo português porque a Galiza estava já sob o domínio de Castela e do castelhano. Não obstante, há um certo uso medieval das grafias nh e lh juntamente com ñ e ll, finalmente reforçada esta opção pela coincidência com o castelhano, língua imposta para a administração na Galiza e única língua de cultura no mínimo desde o século XV, momento em que o galego deixa de ser escrito.
Portanto, mininho e meninho são termos antigos galego-portugueses conservados como apelidos na Galiza. Um exemplo sou eu, que me chamo Alberto Mininho Castinheira. Por sua parte, em Portugal não se conservam como apelidos e, como substantivo comum, evoluíram para a forma moderna menino, com o significado de «1. o varão desde que nasce até à adolescência; 2. moço». A vacilação da vogal i/e responderia ao processo de neutralização do timbre das vogais átonas que operava e opera em galego-português, daí as variantes mininho, meninho, e minino, menino, as duas últimas com perda do traço palatal do nh.
Sou italiano e estou a tentar aprender a vossa (dificil) lingua. Não encontro um livro de gramática. Dos velhos, que dão as regras sem muitos desenhinhos e exercícios. Podem-me aconselhar?
Obrigado.
Agradeço ao Ciberdúvidas, e em especial ao consultor Sr. Gonçalo Neves, a amabilidade da resposta sobre a questão em epígrafe.
Com um «tratado linguístico» não se discute!
Respeito, compreendo e acato a expressão «círculo vicioso» em detrimento da minha «ciclo vicioso», demonstradamente errada.
Bem hajam.
Actualmente, sempre que vejo ou oiço informações acerca dos cuidados a ter com a nossa língua, sou atacada pelo montão de dúvidas que nesta fase final da minha vida (vou fazer 70 anos) me surgem constantemente. De tal modo, que já estou a pensar se «meti a pata na poça» apenas neste fraseado.
Se assim for, suplico-vos que me corrijam... antes de mais!
Até há vinte anos, era insuportavelmente convencida – tipo Marcelo ou Rogeiro, nos seus respectivos – na utilização da nossa adorável gramática.
Hoje, posso dizer que estou a escrever isto... carregada de medo.
Tendo estudado com todo o entusiasmo e seriedade a língua portuguesa, bem como o latim durante quatro anos, nunca me considerei fundamentalista quanto à evolução natural e inevitável de quaisquer línguas faladas: muitas vezes me interrogo se aos meus avós teria sido doloroso passarem a escrever ela em vez de ella, ou quase em vez de quasi (ou quási, julgo).
Mas vamos às minhas dúvidas:
1.Será assim tão errado dizer «mais bem feito»? Ou «mais bem acabado»? Ou será «melhor dito» essas formas de «melhor feito» e «melhor acabado» que tanto agridem a nossa sensibilidade auditiva? Será o Santana Lopes «melhor vindo» ou serão mais «bem vindos» Guterres, Marcelo ou Vitorino?
Não poderão coexistir algumas das tais excepções à regra que dinamizam a comunicação oral e os processos de derivação etimológica, aliás tantas vezes desviados precisamente devido à saudável dinâmica popular da linguagem?
Obrigada por qualquer esclarecimento.
Agradeço pelo respeito à variação brasileira da língua Portuguesa ao comentar as perguntas.
Aprecio vossa generosidade neste site em ajudar também a nós, brasileiros.
Que os donativos sejam igualmente generosos!
Obrigada!
Parabéns ao Ciberdúvidas, que nesses dezoito anos recém-completados vem espalhando mundo afora – a exemplo dos grandes e destemidos navegadores lusitanos doutrora – a riqueza e as diretrizes de nossa língua através de conteúdo linguístico tão variado, valoroso e fidedigno. Além de superconfiável, é um sítio web plural e democrático, o qual qualquer um de qualquer lugar do planeta pode acessar, consultar e esclarecer dúvidas.
Que, como os bons vinhos, o Ciberdúvidas se torne a cada dia melhor e tenha vida longuíssima!
Parabéns a toda a equipe!
Tenho dúvidas, muitas dúvidas! Isto respondendo à vossa publicidade.
Escrever e falar bem a nossa língua, parece-me ser essencial e que infelizmente está em decadência.
Hoje numa pesquisa (mais uma vez) para confirmar o meu débil português encontrei a vossa página.
Desculpem mas tenho algum sentido crítico (positivo e negativo), pelo que não me contive e dei por mim a escrever-vos para vos dar os parabéns, a página é de facto uma excelente ajuda! E para vos dizer que lamentavelmente só hoje a descobri, por (julgo eu!) provavelmente não ser muito divulgada ou eu andar distraída, quem sabe?!
Cumprimentos.
Constatei que o dicionário online da Porto Editora e [o da] Priberam apenas apresenta[m] como elegível o nome Rodolfo.
Uma pesquisa breve levou-me a constatar que não é unânime nem solidamente fundamentada esta opção, também subscrita em outros locais, como adiante explicito.
Em O Grande Guia dos Nomes (Editora Alto Astral, 2013), surge Rodolfo com origem por via do germânico, apresentando contudo Rudolfo como variante.
Em The Penguin Book of Names for Australian Babies, surge Rudolph como tendo origem o germânico, mas apresentando as opções Rudolfo ou Rodolfo.
Por sua vez [numa resposta do Ciberdúvidas] (que tem prestado um inegável serviço comunitário) é sustentada a opção por "Rudolfo", sendo que, embora o senhor José Pedro Machado aconselhe a grafia com "o" [...], é efetivamente apresentada como origem Rudolph (alemão – origem por junção de dois termos de sentido Rad «conselheiro» + Wolf «lobo». Referindo J.M.C. a sua estupefação pelo facto de a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo, escrever "Rudolfo" como o nome do conhecido lago africano. Quando numa pesquisa a designações a este lago, surge, na maior parte das vezes, a palavra grafada com u. Existindo inclusive a designação de Homo Rudolphensis para caracterizar o grupo dos ancestrais hominídeos que viveu entre 1,8 e 2,5 milhões de anos atrás no leste, sudeste e sul de África. Note-se que este lago se chama atualmente Turkana em referência à tribo mais relevante da área por deliberação do governo queniano em 1975. Anteriormente detinha a designação de «Lago Rudolfo» devido ao facto de em 1887-1888 os exploradores Von Höhnel e Samuel Teleki (primeiros europeus a avistar o lago) assim o designarem em homenagem ao seu mecenas e patrocinador da expedição, príncipe Rudolf von Habsburg-Lorraine da Austria (também patrono de Beethoven), que financiou a expedição.
Pergunto-me se na presença de um vasto caminho desde a antiguidade até um cenário atual onde coabitam as designações Rodolfo e "Rudolfo" como é o caso do artigo de apoio da Infopédia – Adolfo Rudolfo da Costa Malheiro (oficial militar natural do Porto) - existe alguma razão solidamente fundamentada, para além da inclinação do senhor José Pedro Machado e de J.M.C. (o autor da resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa), para que as editoras não apresentem, pelo menos como variante a opção "Rudolfo"?!
Quando assistimos à incorporação de termos como "fixe", "email", "online", "bué", "baril", "online", "garçom", "croissant"... nos dicionários de língua portuguesa, será admissível a exclusão sumária de "Rudolfo", de todos os Rudolfos (sequer como variante)?!...
Se não se encontrar uma solução equilibrada, as restantes renas, em solidariedade, este ano, não transportarão o Pai Natal. Logo, não haverá presentes para ninguém... :)
Fiquei escandalizado quando me deparei com esta resposta a uma questão acerca da tradução mais correta para a expressão password. O senhor que respondeu à questão está totalmente equivocado. Eu teria todo o prazer em esclarecê-lo, mas o que está publicado é muito grave e tem de ser retirado.
Em Portugal, password só tem uma tradução possível. Não digo que senha não exista porque, de facto, existe. No entanto, não designa password. Não sou eu que estou a inventar ou a complicar. Qualquer dicionário rigoroso e consistente poderá, também, provar-vos o que estou a afirmar.
Vejamos:
palavra-passe: Sequência de caracteres alfanuméricos que permite o acesso a dados ou sistemas informáticos protegidos. Palavra ou expressão que desencadeia uma operação num computador.
senha: Sinal, gesto combinado entre duas ou mais pessoas. Cautela. Bilhete que se dá em certos recintos de espetáculos, aos espetadores que dele saiam momentaneamente. Palavra que se junta ao nome do santo, na frase que serve para as rondas e as sentinelas que se reconhecerem. Bilhete com caracteres numéricos responsáveis pelo ordenamento de aglomerados de pessoas e filas de espera.
O que sucede é que os Acordos Ortográficos vão além da ortografia. E o fenómeno da globalização também ajuda! A utilização da palavra senha para traduzir password, em Portugal, deu-se a partir do momento em que houve brasileiros a produzir sistemas para Portugal e houve sistemas ingleses/alemães/espanhóis a serem traduzidos apenas para português do Brasil e a serem usados em Portugal.
Formação da palavra:
Se separarem pass de word obtêm «passar» e «palavra». Dados os ajustes obviamente necessários, gerou-se passe e palavra. Uma vez que no inglês a inversão do nosso sentido natural de escrita é conhecido, foi necessário transpor para a expressão «palavra de passe». Já que em português temos o fantástico fenómeno linguístico da justaposição, criou-se a expressão palavra-passe.
Utilização da palavra:
Quanto à questão do uso militar da palavra password, não vou alongar-me. Não é que não tenha argumentos, mas a explicação seria demasiado extensa quando se resume ao facto de as palavras terem de sofrer alterações mediante a sua utilização, i.e., a circunstância em que são utilizadas. Tem milhares de milhões de exemplos desta situação na língua portuguesa.
Espero que corrijam o que foi escrito em http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=1934
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