1. A expressão «que se farta» significa «muito, imenso» e é própria do registo informal do português europeu, muito embora possa ocorrer em textos jornalísticos de tom mais familiar e até em textos literários. Trata-se de uma oração consecutiva que se comporta como expressão semifixa e, como tal, tem entrada, por exemplo, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, onde figura enquanto subentrada de fartar. Esta oração consecutiva/expressão tem um sujeito com o mesmo referente que o da oração subordinante (no caso da frase apresentada pelo consulente). Do ponto de vista temporal e da flexão em pessoa, a expressão em apreço deve concordar com o verbo da oração subordinante:
(1) «O Zé disse asneiras que se fartou contra os colegas.»
No entanto, não é infrequente que, coloquialmente, a expressão chegue a cristalizar-se completamente sem que se observe a concordância temporal e pessoal, tal como sucede na frase em questão — mas trata-se de uma expressão que a norma não aceita:
(2) «O Zé disse asneiras que se farta contra os colegas.»
Um construção alternativa é usar o verbo fartar-se seguido de preposição e infinitivo, com o significado de «fazer com repetidas vezes ou com intensidade»: «Fartou-se de correr para apanhar o autocarro» (idem); «fartou-se de dizer asneiras contra os colegas». Há ainda outras construções quer com o verbo fartar (exemplo 3) quer com substantivos dele derivados (exemplos 4 e 5), como expressões fixas para o discurso familiar e registos informais:
(3) «O Zé disse asneiras até fartar/se fartar aos colegas.»
(4) «O Zé disse asneiras à farta aos colegas.»
(5) «O Zé disse asneiras com fartura aos colegas.»
2. Relativamente à segunda pergunta, é correto «dizer asneiras que se farta/com fartura aos colegas», uma vez que o verbo dizer seleciona um complemento indireto («dizer algo a alguém»; cf. Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 296), tal como se pode verificar pelo exemplo apresentado pelo Dicionário Gramatical dos Verbos Portugueses, da Texto Editores (2007):
(6) «O aluno disse uma barbaridade ao examinador e reprovou.»
Contudo, também se admite que em frases em que este verbo ocorra surjam modificadores ou adjuntos que marquem os destinatários do que foi dito:
(7) «Ele disse coisas horríveis sobre o diretor.»
(8) «Ele disse coisas horríveis contra o diretor.» (entenda-se: «em detrimento do diretor)
(9) «Ele disse uma bela frase a favor do diretor.»
Por estes exemplos, não vemos problema em ocorrer um constituinte introduzido pela preposição contra com a função de modificador: «ele disse asneiras contra os colegas» (interpretável como «ele disse mal dos colegas» ou «criticou injustamente os colegas», atribuindo a «asneiras» o valor de «coisas absurdas», «disparates», «mentiras»). O complemento indireto não é obrigatório, nem mesmo quando o verbo dizer tem por complemento uma oração:
(10) «Contra o diretor, ele disse que tinha acompanhado a reunião com o empresário agora detido.»