DÚVIDAS

A razão do significado de carrinha

Se carrinho é o diminutivo de carro, ou seja, um carro pequeno, por que razão carrinha designa um veículo de maior dimensão do que um carro normal de passageiros? Ex.: «carrinha de mercadorias», «carrinha de caixa aberta», etc. Gostaria de ter a vossa sábia explicação para este facto.

Muito obrigada.

Resposta

Existem efetivamente formas do género feminino que aparentemente são as que correspondem a certos substantivos do género masculino; é o caso de carrinha em relação a carrinho. No entanto, carrinha e outros substantivos do género feminino, geralmente referentes a entidades não animadas (saca, pipa, cesta), não designam exatamente entes do género feminino, sendo antes palavras com significado não relacionado com o contraste de género (ou seja, não são propriamente as formas de feminino de carrinho, saco, pipo, cesto). Este contraste é observado por Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (2002, p. 132):

«É pacífica [...] a informação de que a oposição masculino–feminino faz alusão a outros aspetos da realidade, diferentes da diversidade de sexo, e serve para distinguir os objetos substantivos por certas qualidades semânticas, pelas quais o masculino é uma forma geral, não-marcada semanticamente, enquanto o feminino expressa uma especialização qualquer:

barco/barca (= barco grande)

jarro/jarrra (um tipo especial de jarro)

lobo/loba (a fêmea do animal chamado lobo)

Esta aplicação semântica faz dos pares barco/barca e restantes da série acima não serem considerados primariamente formas de uma flexão, mas palavras diferentes marcadas pelo processo de derivação. Esta função semântica está fora do domínio da flexão [...].»

Sendo assim, deve assinalar-se que carrinha se fixou na língua com significado próprio, que não é o mesmo de carrinho, «carro pequeno», mas, sim, o de «camioneta pequena, fechada ou aberta, usada no transporte de passageiros e mercadorias = furgoneta» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Esta especialização tem paralelo noutras formas, originariamente aumentativas e diminutivas, que adquiriram, ao longo do tempo, significados especiais, por vezes dissociados do sentido da palavra derivante. Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 200), destacam algumas destas palavras: cartão, ferrão, florão, portão, cartilha, cavalete, corpete, flautim, lingueta, pastilha, vidrilho.

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