DÚVIDAS

«A suposição de que...»: uma oração especificativa

Agradecia que me esclarecessem a correta classificação da oração iniciada por que em «é comum a suposição de que o céu e a Terra se encontravam inicialmente muito próximos». Pedia ainda que me elucidassem acerca da preposição de que aparece depois de suposição, uma vez que pode ser retirada sem afetar o sentido da frase.

Obrigada.

Resposta

A respeito de suposição, é possível suprimir a preposição de no registo informal. No entanto, essa supressão não é aceite no registo formal.

A Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1895/1896) – GP – considera que os substantivos que fazem parte de perífrases formadas por um verbo suporte ou leve e uma expressão nominal permitem a supressão da preposição (exemplos da fonte consultada):

1. estar à espera: «Olha, cá estamos à espera (de) [que isto melhore].»

2. ter a suspeita: «Tenho a suspeita (de) [que não vou ser eleito].»

Contudo, há outros casos (orações especificativas), em que a omissão da preposição tem menos aceitação (exemplos da fonte consultada):

3. ideia: «A progressiva reconciliação com a ideia _ [que o desejável "crescimento" do filho impusera a separação] assim como a força de ligação afetiva entre os pais ajudam a "reabsorver" a dor»* (revista Máxima, apud Corpus de Referência do Português Contemporâneo).

Sobre casos como 3, em que figura uma oração especificativa e entre os quais também podemos incluir o de suposição tal como ocorre na frase apresentada pela consulente, a GP observa o seguinte:

«Apesar de a supressão da preposição em orações especificativas ser atestada em registos informais, tende a ser evitada na escrita e é intuída pelos falantes mais velhos ou mais escolarizados como um desvio à norma-padrão.»

Note que a GP, quando se refere às orações selecionadas por um nome, faz uma distinção entre oração completiva e oração especificativa:

– oração completiva: é um verdadeiro complemento do nome, completando-lhe o sentido; podem ser substituídas por isso – «A criança tem pena (de) que os pais não estejam presentes» > «A criança tem pena disso»;

– oração especificativa: é um modificador do nome, especificando o conteúdo do nome; não pode ser substituída pelo pronome isso (o * indica agramaticalidade) – «Ele não gostou nada d[a ideia de que o exame fosse adiado] > *«Ele não gostou nada da ideia disso.»

A oração que é selecionada por suposição enquadra-se nas orações especificativas, visto ter o substantivo o mesmo comportamento que ideia: «é comum a suposição de que o céu e a Terra se encontravam inicialmente muito próximos» > *«é comum a suposição disso».

Tudo o que acabámos de expor faz parte de uma análise de certa complexidade, não abrangida pelo Dicionário Terminológico, que, em Portugal, se destina essencialmente a apoiar o ensino da gramática nos níveis básico e secundário de escolaridade.

* No original: «A progressiva reconciliação com a ideia _ [que o desejável "crescimento" do filho impusera a separação], assim como a força de ligação afetiva entre os pais, ajudam a "reabsorver" a dor.» No exemplo usado no corpo do texto, as vírgulas foram suprimidas porque não eram compatíveis com a concordância de ajudar no plural. Para as manter, o verbo ajudar teria de ocorrer no singular: «A progressiva reconciliação com a ideia (de) que o desejável "crescimento" do filho impusera a separação, assim como a força de ligação afetiva entre os pais, ajuda a "reabsorver" a dor.» Sobre sujeitos compostos, coordenados por «assim como», ler Concordância com sujeitos ligados por «bem como».

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