DÚVIDAS

Demais em Rebelo Gonçalves

Se Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, apenas consigna «demais» como advérbio de modo1, atribuindo a «de mais» a função supletiva de locução adverbial de quantidade, qual o motivo por que, em Ciberdúvidas, vários consultores têm tecido considerações acerca do correcto uso de «demais» como advérbio de quantidade? Será que o destinatário-alvo tem sido os falantes brasileiros? Na verdade, tanto o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa como o Dicionário Houaiss (versão portuguesa) averbam unanimemente a acepção quantitativa de tal advérbio como um brasileirismo.

Em vista disso, compete perguntar:

a) Não será abusivo classificar e utilizar «demais» como advérbio de quantidade, se o vocabulário ortográfico vigente em Portugal ainda não foi substituído? (Se assim não fosse, razões não haveria para que os dicionários supracitados tivessem sido tão escrupulosos na sua descrição!)

b) Que força de lei têm os argumentos aduzidos em Ciberdúvidas em favor do uso de «demais» enquanto advérbio de quantidade?

Saudações cordiais.

1 Excluo desta questão o valor pronominal do vocábulo.

Resposta

A sua questão levanta vários problemas, que passo a tratar independentemente:

Rebelo Gonçalves
Foi um dos mais representativos linguistas portugueses do século passado. Colaborou na Reforma de 1911, publicou o «Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa» e o, citado por si, «Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa», uma obra muito completa para a altura, que tem servido de referência.
Ora é preciso não esquecer que já Saussure lembrava que a língua tem a virtualidade de fazer a simbiose entre a conservação do passado e a mudança com o tempo. Algumas das recomendações de Rebelo Gonçalves já não são válidas nos nossos dias (o Vocabulário data de 1967...). A verdade é que a palavra demais adquiriu em Portugal esse outro valor semântico.

Brasileirismos
Nós em Ciberdúvidas não usamos este termo, que tem conotações pejorativas em relação a uma pretensa vernaculidade lusa. Preferimos dizer legítimas variantes brasileiras da `comum língua´, como dizemos legítimas variantes nortenhas, insulares, etc.
Temos de aceitar que no Brasil há linguistas que dominam a `comum língua´ com grande profundidade. Muitas das suas soluções são mesmo preferíveis às preconizadas por linguistas portugueses. E se isto o escandaliza, medite, por exemplo, no termo *toilete pronunciado ¦tuᦠque aparece no Dicionário da nossa Academia como palavra do léxico, e compare com o termo toalete recomendado pela Academia brasileira...
O sentido de excessivamente, dado a demais pelo Brasil, pode considerar-se uma variante legítima, num critério universal de considerar a língua, como fazemos em Ciberdúvidas.

Demais
Podia ficar pelas duas conclusões das alíneas atrás. Vou, porém, mais longe. Demais aplica-se tradicionalmente nas acepções de `além disso´ e `outro/as´ (ex.: `demais a mais´, `os demais alunos´) e `de mais´ opõe-se a `de menos´. Pois bem, parece-me até preferível usar demais como quantificador quando empregar `de menos´ não faz sentido (ex.: `é pobre demais´, porque não se diz `é pobre de menos´). 

Ao seu dispor,

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa