A linguagem de Vieira, segundo Camilo - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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A linguagem de Vieira, segundo Camilo

São os sermões do padre António Vieira uns riquíssimos minérios do mais fino ouro pelo que respeita à linguagem. Ninguém reuniu em poucas páginas tantas palavras rubricadas pelos mestres que o precederam. As opulências que Vieira aditou à prosódia constituiriam o idioma português no alto ponto das línguas mais ricas, se já então houvéssemos entrado em comunhão de ciências com a Europa, e tivéssemos adaptado à nossa índole glótica os termos facultativos. O seu modo de adjectivar é irrepreensível; a propriedade do epíteto é nele tão original, que a não podemos derivar nem de Camões nem de Barros. Explende-lhe do génio; bafeja-lha a ironia, o sarcasmo, o que quer que fosse de mais avançada cultura, em um meio social de mais complicadas paixões. Quem se votasse à agradável tarefa de colher palavras e frases nos sermões de Vieira, desenredando-as do sarilho vicioso em que ele as invencilhava, formaria um florilégio, um bastantíssimo vocabulário e selecta prosódia para exercício de primorosa escrita. Porém, com tamanha e tão variada opulência de cores, o padre Vieira deleitava-se em pintar a caricatura da eloquência sagrada.

 

Fonte

Camilo Castelo Branco, Curso de Literatura Portuguesa, Lisboa, 1876, p. 104

Sobre o autor

Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825 – S. Miguel de Seide, 1890) é um dos expoentes máximos da Literatura Portuguesa. Órfão de pai e mãe ainda criança, instalou-se no Porto em 1844 para estudar Medicina. Em 1845, estreou-se na poesia e no teatro. Em 1855, tornou-se o principal redator de O Porto e de Carta. Em 1858, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa. Dirigiu a Gazeta Literária do Porto em 1868. Das suas obras, destacam-se: A Queda de um Anjo (1866); Mystérios de Lisboa (1854); Amor de Perdição (1862); A Queda dum Anjo (1865) e A Brasileira de Prazins (1882).