Poema "Crónica verdadeira da língua portuguesa", da autoria do jornalista e escritor angolano João Melo. Um texto inédito em livro, datado de 2009, que o autor publicou no Diário de Notícias, em 5 de maio de 2020, Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Poema "Crónica verdadeira da língua portuguesa", da autoria do jornalista e escritor angolano João Melo. Um texto inédito em livro, datado de 2009, que o autor publicou no Diário de Notícias, em 5 de maio de 2020, Dia Mundial da Língua Portuguesa.
1
De palavras novas também se faz país
neste país tão feito de poemas
que a produção e tudo a semear
terá de ser cantado noutro ciclo.
2
É fértil este tempo de palavras
em busca do poema
que foge na curva das palavras
usadamente soltas e antigas
distantes das verdades dos rios
do quente necessário das brasas
do latejar silencioso das sementes
dentro da terra
quando chove.
3
Proponho um verso novo
para as laranjas (por exemplo) matinais
e os namorados
com que havemos de encher todos os dias
os mercados.
4
Porque a História também se faz ao contrário, o caçador quando pressente o perigo é tarde demais e saiu já caçado, num golpe de futura sorte ou carnaval linguístico; e o oceano, quintal vasto e multiplicador de margens, convida a viagens com direito a retorno melhorado e banquete renovador. Depois dos gestos, a linguagem falada é a boca sincera dos sentimentos e a cultura apanha boleia para ir mais longe, enfeitiçar outros mundos e mascarar-se de novos conteúdos.
As crianças praticam a língua como se esticassem fios de seda para prender os perímetros da vida e com os fios que sobram encontram tempo para enrolar devagarinho em bola de jogar sobre a terra húmida que ajudam a arrendondar com os pés pequenos.
"(...)Português, irmão, é difícil mas não custa"
(Lourentinho, personagem de um livro de
José Luandino Vieira)
"Pela voz da mãe eles conhecem a mãe deles..."
(Provérbio cabinda)
Há nas nossas relações com a língua materna um certo efeito almofada que, como a mão fresca das mães nas nossas infâncias febris, amortece a queda, suaviza a dor.
« “Discurso sobre o Fulgor da Língua"? Foi um doutor daqui, do Maranhão, que escreveu isso, mas nunca ninguém o leu. Tem a certeza que quer levar?”
O português assentiu com a cabeça. O velho murmurou qualquer coisa (pareceu-me reconhecer um verso de Pessoa) e depois encolheu os ombros:
“Tá bom. Esse eu ofereço...” (...)»
[conto inserto no livro do autor Catálogo de Sombras.]
Surpreendo-me discorrendo sobre alguns mitos emergentes na sociedade angolana, sem rumo certo e em desfrute de lentos vagares, mas logo me deixo enlear por coisas de somenos, pequenas dúvidas, questões teóricas. Será que esses mitos, sobre os quais me debruço, existem mesmo antes de serem nomeados, ou apenas passaram a existir por terem sido nomeados?
Regressei há poucos dias de Paris, onde estive a convite do Festival Atlântida, uma iniciativa, já na segunda edição, que se propõe divulgar em França a literatura e a música dos países de língua portuguesa. Havia cinco escritores portugueses, cinco africanos e um brasileiro.
A escola de Catete não tinha mestre. A professora, que diziam ser de Lisboa, teria alegadamente fugido para Luanda para não mais voltar à vilinha do interior em que a administração colonial a depusera. Teria ficado, de início, assustada e, depois, farta da vida pelas terras do vasto mato angolano.
«Quando pensamos numa língua muitas vezes a vemos da forma sisuda que na escola nos ensinaram a encará-la, com aquelas regras chatíssimas de gramática que parecem talhar um fato apertado que a sufoca. Afinal essas regras podem não ser tão antigas assim e dependem das brincadeiras que fazemos com a língua.»
[Texto escrito especialmente para o Ciberdúvidas, na sequência dos contributos do do cabo-verdiano Germano Almeida, do guineense Carlos Lopes, do moçambicano Mia Couto e do português José Saramago.]
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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