Do solstício e da língua mirandesa - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Do solstício e da língua mirandesa
Do solstício e da língua mirandesa
Percursos de afirmação de uma língua

« (...) Mirandês ou língua mirandesa é o nome que se dá a um conjunto de variedades linguísticas faladas na Terra de Miranda, território histórico que abrange os concelhos de Miranda do DouroVimioso e Mogadouro; é também falada pela diáspora, espalhada por todo o mundo (...).»

 

[21 de junho] é o maior dia do ano, o meu preferido. Amo os dias longos que entram pela noite dentro! Entre o nascimento e o ocaso do Sol terão decorrido 14 horas, 53 minutos e 08 segundos. O solstício de verão ocorre neste ano precisamente às 04 horas e 32 minutos e nesse momento começa a estação por mim mais almejada.

O dia do solstício de verão é também o dia da língua e da cultura mirandesaMirandês ou língua mirandesa é o nome que se dá a um conjunto de variedades linguísticas faladas na Terra de Miranda, território histórico que abrange os concelhos de Miranda do DouroVimioso e Mogadouro; é também falada pela diáspora, espalhada por todo o mundo. O mirandês é uma língua secular, pertencente ao diassistema astur-leonês. Leite de Vasconcellos (1858-1941), filólogo, antropólogo e etnógrafo, identificou e estudou a língua mirandesa ainda no século XIX. Durante o século XX, diversas circunstâncias, entre as quais se destaca a instituição do ensino universal em português, levaram a que o mirandês tenha sido progressivamente substituído pela língua portuguesa no uso social e mesmo na transmissão de pais para filhos.

Nos anos 1980 e 1990, o mirandês começou a ser ensinado nas escolas locais (1986) e foi discutida e aplicada a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa e a sua Primeira Adenda (1993-2000). Finalmente, em janeiro de 1999, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a Lei 7/99 (DR n.º 24/1999, Série I-A), que «visa reconhecer e promover a língua mirandesa» (art.º 1.º). Pelos quatro artigos seguintes, o «Estado Português reconhece o direito a cultivar e promover a língua mirandesa, enquanto património cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda» (art.º 2.º), «o direito da criança à aprendizagem do mirandês» (art.º 3.º), o direito de «as instituições públicas localizadas ou sediadas no concelho de Miranda do Douro poder[em] emitir os seus documentos acompanhados de uma versão em língua mirandesa» (art.º 4.º) e, ainda, o «direito a apoio científico e educativo, tendo em vista a formação de professores de língua e cultura mirandesas» (art.º 5.º). Já durante este mês de junho, foi publicado o Despacho do Conselho de Ministros n.º 5496/2021 (DR n.º 107/2021, Série II), que declara a utilidade pública da Associação da Língua e Cultura Mirandesa – ALCM, fundada em 2002 por um conjunto de naturais da Terra Mirandesa e encabeçada por Amadeu Ferreira. Este despacho tem a particularidade de, além de estar redigido em português, conter em anexo uma versão do texto em mirandês, constituindo, creio, a primeira vez que o Diário da República publica um documento em mirandês, onde se lê: «La Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa – ALCM, (...) cun cabeça an Miranda, ten feito trabalhos amportantes, que a todos antréssan, para apendonar i spargir la lhéngua i la cultura mirandesa, i tamien l patrimonho cultural, stórico i natural de la Tierra de Miranda.»

Por ocasião do dia da língua mirandesa, a ALCM organizou, no passado sábado, a III Jornada de Língua e Cultura Mirandesa Amadeu Ferreira, transmitida em direto através do canal YouTube da Associaçon, cujo programa, disponível no seu perfil do Facebook, incluiu, entre outros, o lançamento de prémios para alunos de mirandês e de uma nova coleção de livros infantojuvenis em mirandês. Foi ainda apresentado o Roteiro para a Língua Mirandesa (disponível em https://lhengua.org/classes/roteiro), documento que, pelo seu interesse e relevância, trarei a este espaço na próxima semana.

Fonte

Artigo da autora publicado no Diário de Notícias de 21 de junho de 2021.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGAEntre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018.