Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A paráfrase é um recurso expressivo/estilístico?

Resposta:

paráfrase não é um recurso expressivo no sentido em que o seu objetivo central não passa, à partida, por explorar a expressividade da linguagem.

A paráfrase é uma forma de intertextualidade que tem como objetivo central reproduzir de forma mais simples e acessível as ideias centrais de um texto-fonte, sem alterar o seu sentido. Há quem se refira à paráfrase como uma «tradução dentro da própria língua».

Disponha sempre!

Pergunta:

A minha dúvida é a propósito da seguinte frase: «Caso fizesses a tarefa, terias nota.»

Gostava de saber se o uso da conjunção caso, nesta frase, é compatível com o verbo no pretérito imperfeito (conjuntivo).

Tenho insistentemente pesquisado a respeito deste assunto; porém o único uso que tenho encontrado como, normativamente, aceitável é: «a conjunção CASO deve ser usada com o verbo no presente do conjuntivo.»

No entanto, tenho visto pessoas a usarem-na, sistematicamente, com o pretérito imperfeito(conjuntivo). Gostava de, por favor, saber se este é um uso particular e, normativamente, reconhecido no Português Europeu. Para terminar, já tentei ler sobre o assunto aqui no vosso repertório, porém não fiquei satisfeito, ou seja, não fiquei esclarecido.

Desde já, agradeço a atenção. Votos de força nesta fase difícil por que o mundo está a passar (COVID-19).

Resposta:

O uso da conjunção caso determina o uso do modo conjuntivo, mas não condiciona o tempo verbal a usar. Na verdade, a seleção do tempo verbal da oração subordinada condicional está relacionado com o tipo de condição que se pretende expressar.

Assim, a conjunção caso pode associar-se à expressão de três valores:

(i) a hipótese real ou genérica (verbo no presente do conjuntivo):

     (1) «Caso venhas a Lisboa, telefona-me.»

(ii) a hipótese possível (com verbo no imperfeito do conjuntivo):

      (2) «Caso pudesses, virias a minha casa.»

(iii) a hipótese irreal ou contrafactual:

      (3) «Caso tivesse vindo, terias visto o espetáculo.»

Agradecemos e retribuímos as gentis palavras.

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «o professor fez as vezes de aluno», qual a função sintática do termo «as vezes de»?

Obrigado.

Resposta:

O sintagma nominal «as vezes» tem a função de complemento direto.

Nesta frase está presente um verbo leve1 (fazer) que forma com o sintagma «as vezes» um predicador complexo com um sentido equivalente a “substituir”. A locução «fazer as vezes de» apresenta um certo grau de cristalização. No entanto, é possível encontrar situações equivalentes como (1):

(1) «Ele fez o papel de vilão.»

Na frase (1), o constituinte «o papel (de vilão)» tem a função de complemento direto, ocupando o mesmo espaço sintático que o constituinte «as vezes».

Note-se que, embora os verbos leves se associem a sim sintagma nominal não deixam de manter as propriedades de seleção de um verbo pleno pelo que continuam a gerar funções sintáticas.

Disponha sempre!

 

1. Para um maior aprofundamento sobre os verbos leves, cf. Gonçalves e Raposo in Raposo et. al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1214 – 1218.

Pergunta:

Na expressão «patente de produtos», esse elemento preposicionado «de produtos» exerce que função sintática?

Gostaria de saber também se o substantivo patente é concreto ou abstrato. E semelhantes a ele como marca, produto... são que tipos de substantivos: concretos ou abstratos?

Obrigado.

Resposta:

Nomes que designam um produto de atividade intelectual podem pedir um complemento nominal / de nome que corresponde à identificação do seu autor, como acontece com o nome romance em (1), onde se destaca a sublinhado o complemento nominal / de nome:

(1) «o romance de Eça de Queirós»

O assunto ou tópico tratado por essa realidade é também referido por um complemento nominal / de nome:

(2) «o livro sobre a revolução francesa»

O mesmo nome pode, todavia, ser acompanhado de um adjunto adnominal / modificador do nome, que refere uma outra realidade, restringindo a significação do nome:

(3) «o livro azul»

No caso em apreço, um complemento nominal / de nome de patente deveria corresponder semanticamente à identificação do autor do produto patenteado ou à realidade a que foi concedido o título. Como na expressão apresentada, o sintagma preposicional não se integra neste domínio, consideramos que tem a função sintática de adjunto adnominal / modificador do nome.

A classificação dos nomes como concretos ou abstratos é, na ótica da gramática atual, muito discutível porque esta abordagem implica «certos atributos ontológicos cuja relevância gramatical é praticamente nula» (Peres in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 737).

Não obstante, o contexto em que as palavras ocorrem pode definir um maior ou menor grau de concretismo ou de abstração. Assim, se patente for referido como nome de um documen...

Pergunta:

É certo afirmar que, em «Agora, o que não pode é esculhambar a gente, assim na cara dura», «agora» é conjunção? É correto esse uso?

Resposta:

Na frase em apreço, agora é um conector com valor contrastivo.

Tradicionalmente, agora é usado como um advérbio com valor temporal, como em (1):

(1) «Ele chegou agora da escola.»

Não obstante, há situações em que a palavra é usada como um conector discursivo. Nestes casos, agora assinala sobretudo um contraste (2) ou o cancelamento de uma dada expectativa (3):

(2) «O Rui estuda muito, agora o João é preguiçoso.»

(3) «Prometeste que estudavas, agora não me dececiones.» 

Embora não tenhamos acesso ao contexto em que a frase apresentada pelo consulente surge, é possível que agora esteja a marcar um contraste em duas atitudes (a que se pode ter e a que não se deve ter), assumindo, portanto, um valor contrastivo.

Disponha sempre!