Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Procurando em vários locais, encontrei definições bastante confusas sobre antonomásia e perífrase. Gostaria de saber:

1. A diferença entre antonomásia e perífrase.

2. Antonomásia é considerada um caso particular de metonímia?

3.  Por que perífrase não é considerada um caso de metonímia?

Obrigado!

Resposta:

A antonomásia «consiste na substituição de um nome comum por um nome próprio  ou, ao contrário, de um nome próprio por uma caracterização, universalmente reconhecida, da respectiva personalidade: «Ele sempre foi um D. João» ("D. João" por "conquistador" ou "mulherengo"); ou "o filósofo", na Idade Média (em vez de "Aristóteles").» (Falar Melhor, Escrever Melhor, p. 503)1. Assim, trata-se de uma figura por meio da qual se designa alguém ou alguma coisa pelo nome comum ou o da espécie a que pertence (ou vice-versa) – um nome próprio pode ser substituído por um nome comum (1) ou o inverso (2):

(1) «A Dama de Ferro retirou-se.  (em vez de Margaret Thatcher)

(2) «O nosso pequeno Camões fez um poema.» (em lugar do nome do filho)

A antonomásia pode ser também considerada um tipo de metonímia (ou, mais concretamente, um subtipo de sinédoque, se considerarmos esta um caso especial de metonímia). Noutras situações, será uma variante da perífrase, quando se forma com uma expressão analítica, ou seja, mais longa e descritiva.

A perífrase consiste na «substituição de um termo próprio e único por uma série de palavras, uma locução, que o define ou parafraseia; operaç...

Pergunta:

Gostaria de saber se a regência do verbo pedir na seguinte sentença está adequada:

«Professora é demitida por pedir que Trump retire 'alunos ilegais' de escola.»

O correto seria «...pedir a Trump que retire...»?

Grato pelo caprichoso serviço prestado.

Resposta:

Ambas as construções apresentadas estão corretas, embora tenham significados diferentes.

Na frase

(1) «Professora é demitida por pedir que Trump retire 'alunos ilegais' de escola.»

o verbo pedir é completado por uma oração subordinada substantiva completiva («que Trump retire 'alunos ilegais' de escola»), pelo que a frase é equivalente a

(2) «Professora é demitida por pedir isto

Na frase (1), o constituinte «Trump» é sujeito de «retire» e não se identifica a pessoa/entidade a quem a professora endereçou o seu pedido.

Na frase

(3) «Professora é demitida por pedir a Trump que retire 'alunos ilegais' de escola.»

o verbo pedir tem dois com...

Pergunta:

Gostaria de saber como analisarmos a oração «Já é dia».

A minha pergunta é que tipo de predicado – nominal, verbal ou verbo-nominal?

E a palavra dia, qual é a função sintática – predicativo ou adjunto adverbial?

Grato pala resposta.

Resposta:

A frase apresentada pelo consulente é uma frase copulativa. As frases copulativas não constituem predicações de base verbal, porque o conteúdo nuclear da frase não é veiculado pelo verbo. Na frase apresentada, o conteúdo essencial é veiculado pelo nome dia. Por esta razão, considera-se que estamos perante uma predicação de base nominal.

A frase «Já é dia» ilustra um uso do verbo ser no qual ele exprime a localização temporal de um determinado momento, como acontece em frases do tipo:

(1) «É terça-feira.»

(2) «É feriado.»

(3) «São cinco horas.»

Frases desta natureza caracterizam-se por não terem um sujeito expresso, embora seja possível recuperá-lo semanticamente como correspondente ao momento da enunciação, entendido de forma mais ou menos lata1.

De um ponto de vista sintático, o constitu...

Pergunta:

«Desembarcar na ilha» – «na ilha» é complemento oblíquo, não é?

Muito obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada, o constituinte «na ilha» tem a função de complemento oblíquo.

O verbo desembarcar pode ter os seguintes usos:

(i) verbo intransitivo:

(1) «Os passageiros desembarcaram.»

(ii) verbo transitivo direto:

(2) «Ele desembarcou as encomendas.»

(iii) verbo transitivo indireto:

(3) «Ele desembarcou do avião.»

(4) «Ele desembarcou em Paris.»

(iv) verbo transitivo direto e indireto:

(5) «Eles desembarcaram as mercadorias em Paris.»

Nos usos (iii) e (iv), o verbo tem um valor de mudança de lugar e pode reger preposições como de (que assinala o lugar de origem) ou em (que assinala o lugar de destino), tendo os complementos introduzidos pela preposição a função de complemento oblíquo.

Pergunta:

Como classificar a oração «que não se arme e se indigne o céu sereno», na estância 106, vv. 5-8 de Os Lusíadas?

«Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida,/ Que não se arme e se indigne o céu sereno/ contra um bicho da terra tão pequeno?»

Resposta:

A oração em questão1 é uma oração subordinada adverbial consecutiva.

Esta oração está dependente das duas orações coordenadas «Onde pode acolher-se um fraco humano, / Onde terá segura a curta vida», que funcionam como orações subordinantes. 

Assim, verbalizando todos os constituintes e usando a ordem natural, a frase poderia ter a seguinte forma:

(1) «Onde pode acolher-se um fraco humano e onde terá segura a curta vida, de tal maneira que não se arme e se indigne o céu sereno contra um bicho da terra tão pequeno?»

Disponha!

 

1. A oração integra a estância 106 do Canto I, d'Os Lusíadas, de Luís de Camões.

2. Cf. Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2168-2169.