Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostava de saber se existia pleonasmo na seguinte expressão «banquete pantagruélico».

Grato.

Resposta:

A expressão tem, com efeito, algo de pleonástico, mas a intenção que lhe é associada pode ir além do simples pleonasmo.

O pleonasmo, de acordo com o E-dicionário de termos literários, é um tipo de redundância que corresponde à repetição de uma ou várias palavras cujo sentido já está contido no termo anterior.

Por esta razão, se na expressão «banquete pantagruélico», o nome banquete significar “grande jantar” (Priberam) e o adjetivo pantagruélico for usado com o sentido de “que é muito grande em tamanho, extensão, quantidade” (id.), estaremos perante uma expressão pleonástica.

Não obstante, os usos mais correntes da expressão parecem ir além do pleonasmo ao ativarem para banquete o sentido de “grande jantar” (Id.) e para pantagruélico o sentido de «com muitas e variadas iguarias» (Infopédia). Assim, a expressão não refere apenas a quantidade, mas igualmente a diversidade, que saciaria Pantagruel (uma personagem fictícia do romance de François Rabelais intitulado Les hor...

Metáforas, terreno fértil da política
O caso português das legislativas de 2022

«Labirinto de propostas», «entrar em campo», «pingue-pongue entre esquerda e direita», «arma de arremesso», «reta final» e «cheque em branco» são algumas das metáforas usadas pelos principais políticos portugueses participantes na campanha das eleições legislativas  antecipadas de 30 de janeiro de 2022 – e descritas neste apontamento da autoria da professora Carla Marquescom o respetivo enquadramento linguístico.

Pergunta:

Começo por vos parabenizar pelo vosso 25.º aniversário! Efetivamente, é um site de referência.

Quanto à minha questão, é muito simples. Num exercício de um manual, pergunta-se, de entre as 5 frases que de seguida apresentarei, uma não tem complemento do nome:

1. A beleza da Ana é inigualável.

2. A certeza de que ia vencer levou-o a persistir.

3. O regresso do João foi efusivo.

4.O edifício da empresa vai entrar em obras.

5. O grupo de turistas estava entusiasmado.

Tenho dúvidas na 4 e 5. A solução remete para a 4, mas não consigo incluir a 5 no grupo de palavras que pedem complemento do nome, enquanto na 5, parece-me que podemos ver o edifício como parte de um todo.

Grata pela V. atenção,

Resposta:

Começo por, em nome de toda a equipa do Ciberdúvidas, agradecer as gentis palavras que nos endereça neste nosso aniversário.

À partida, a análise proposta parece aceitável. 

Comecemos por analisar a última frase apresentada, aqui transcrita como (1):

(1) «O grupo de turistas estava entusiasmado.»

O nome grupo é um nome comum coletivo se usado na aceção de “Número de pessoas ou de coisas que formam um todo” (Priberam). Alguns nomes coletivos são nomes dependentes, ou seja, exigem um complemento para denotar um conjunto concreto. É o caso da palavra grupo, que, podendo designar um conjunto de várias realidades distintas, pede complemento que especifique a realidade referida.

Por outro lado, a penúltima frase, aqui transcrita como (2), sem outro contexto, inclui o nome edifício que é um nome independente, ou seja, não pede complemento para completar a sua significação:

(2) «O edifício da empresa vai entrar em obras.»

Não me parece que se possa falar de uma relação parte todo entre edifício e empresa, porque, semanticamente o nome empresa não parece incluir uma parte designada edifício (há empresa sem nenhum edifício físico).

Não obstante, se intenção da frase se orientar no sentido de estabelecer ente edifício e empresa uma relação de posse (a empresa tem um edifício), então será possível fazer corresponder o constituinte «da empresa» à função sintática de complemento do nome. Todavia, sem outro contexto que não a frase apresentada, tal não me parece ser a leitura preferencial.

Disponha sempre...

Pergunta:

Primeiramente quero agradecer à equipe Ciberdúvidas o belo trabalho de nos ajudar a nós, consulentes, a aprender mais sobre o nosso idioma.

Ao ser questionado a respeito da possibilidade da construção de gerúndio acompanhando com, o consultor legitimou tal construção e deu um exemplo:

«Todas as umbreiras e cimos de janelas e portas, feitos d'entrançados de canastra, uma das engenhosas indústrias campestres da região, hoje perdida; móveis de pinho, sem tinta nem verniz, respeitando as formas tradicionais do escabelo e do tamborete de tripeça, com pinturas representando flores e animais, no pinho cru: à altura da cimalha, prateleiras com faianças portuguesas de Darque, Coimbra, Caldas e Lisboa [...] (Corpus do Português)» ("Oração de gerúndio introduzida por com", Ciberdúvidas da Língua Portuguesa).

Mas, se não for muito incômodo, eu gostaria de saber:

Quais são as funções sintáticas de orações com com seguida de gerúndio, como no exemplo que o consultor deu? O que é «oração gerundiva sublinhada»?

Mais outra vez: obrigado!

Resposta:

Comecemos por esclarecer que a expressão «oração gerundiva» se usa para classificar orações cujo verbo nuclear se encontra no gerúndio. Na frase (1), «chegando a casa» é uma oração gerundiva:

(1) «Chegando a casa, vou descansar.»

As orações gerundivas podem desempenhar diferentes funções na frase. No caso da frase (1), por exemplo, desempenha a função de modificador do grupo verbal (ou adjunto adverbial).

No que respeita à frase apresentada, a oração gerundiva surge no interior de um sintagma preposicional, que, por seu turno, está integrado num sintagma nominal, que aqui transcrevemos como (2), representando com parênteses retos os grupos a que pertence cada sintagma e que sinalizam os diferentes níveis de análise:

(2) «[móveis de pinho, sem tinta nem verniz, respeitando as formas tradicionais do escabelo e do tamborete de tripeça, [com pinturas [representando flores e animais]], no pinho cru]

Em (2), a oração «representando flores e animais» incide sobre o nome pinturas, com a função de modificador do nome restritivo (adjunto adnominal). Por seu turno, o sintagma preposicional «com pinturas representando flores e animais» incide sobre «móveis de pinho» com a função também de modificador do nome restritivo (adjunto nominal).

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as palavras que nos endereça.

Disponha sempre!

Votar e voto
Da promessa ao sufrágio

A origem das palavras votar e voto dá mote à crónica da professora Carla Marques no programa Páginas de Português, da Antena 2, no contexto de eleições legislativas antecipadas.