Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Pode a preposição de ser considerada uma conjunção completiva nos seguintes exemplos?

(1) Está na hora de ir para a cama.

(2) Gosto de passear no parque.

(3) Preciso de me deitar mais cedo.

Obrigado.

Resposta:

Nas frases apresentadas, de não é uma conjunção completiva, mas sim uma preposição simples.

As preposições podem selecionar orações infinitivas como seu complemento. É o que se verifica na frase (1), na qual a preposição em seleciona a oração infinitiva «passear com o seu cão»1:

(1) «Ele tem orgulho em passear com o seu cão.»

Nas frases apresentadas pelo consulente, a preposição de é selecionada pelo nome hora (2), pelo verbo gostar (3) ou pelo verbo precisar (4):

(2) «Está na hora de ir para a cama.»

(3) «Gosto de passear no parque.»

(4) «Preciso de me deitar mais cedo.»

Note-se que a preposição de pode em frases semelhantes ter como complementos grupos nominais, o que indica que a preposição não funciona como uma conjunção que introduz uma oração completiva de verbo:

(5) «Está na hora da história.»

(6) «Gosto do João.»

(7) «Preciso do meu livro.»

Acresce que quando a oração infinitiva se subordina a um nome, como acontece em (2), esta oração é introduzida pela preposição de.

Disponha sempre!

 

O túnel e a luz
Uma metáfora de esperança e precaução

A metáfora do túnel, na fase pandemia que se atravessa, encontra-se na ordem do dia, sobretudo porque este parece ter uma luz ao fundo, que é trazida pela chegada das vacinas contra a covid-19. Um motivo para um apontamento sobre a palavra e a construção metafórica que alberga, pela professora Carla Marques

Pergunta:

Habitualmente, considera-se rima rica aquela na qual as palavras rimadas pertencem a categorias gramaticais diferentes.

Ocorreu-me uma dúvida no que diz respeito às locuções. Por exemplo: um substantivo e uma locução adverbial terminada por substantivo seriam, para efeito de classificar uma rima, consideradas categorias gramaticais diferentes?

Em outras palavras, a rima de um substantivo com uma locução adverbial terminada por um substantivo é considerada rima pobre ou rima rica?

Por exemplo: a rima de colheita (substantivo) com «à direita» (locução adverbial) é considerada rima pobre ou rima rica?

Resposta:

O caso apresentado pode ser considerado rima rica.

A rima rica não se resume apenas àquela que tem lugar entre classes de palavras distintas. Como nos ensinam Cunha e Cintra, rima rica é também a que ocorre entre «finais pouco frequentes» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, p. 695).  

Assim sendo, julgo que existem argumentos para classificar o exemplo apresentado pelo consulente como um caso de rima rica, porque, para além de rimarem classes diferentes, a rima explorada (-eita) é pouco frequente.

Disponha sempre.

Pergunta:

Em muitos vestibulares, surgiu a ideia de «texto não verbal».

Entretanto... quando se pesquisa em um dicionário tradicional, percebe-se que o texto está ligado a palavras: “Enunciado escrito. Conjunto das próprias palavras de um autor, em um livro ou em qualquer escrito, em oposição às notas, índices, ilustrações etc.”

Com o até aqui já exposto, se admitirmos que a definição do dicionário selecionado está correta, o «texto não verbal» não existe! Mas pode-se pensar assim?

Se fui ignorante, peço desculpas! Mas pesquisei em dez dicionários e todos me deram a definição já citada!

Desde já agradeço a atenção!

Resposta:

O conceito de «texto não verbal» existe e é dotado de grande vitalidade em meio académico. Para referir esta realidade, usa-se também a expressão «linguagem não-verbal».

O conceito de texto, sobretudo na literatura especializada, tem sido alargado a todos os signos que possam ser usados com uma intenção comunicativa. No caso do texto não verbal, estamos perante signos que comunicam sem recurso ao uso de palavras.

Ferrara define da seguinte forma texto não verbal: «O texto não-verbal é uma linguagem; a leitura não-verbal firma-se  também  como linguagem, na medida em que evidencia o texto através do conhecimento que a partir dele e sobre ele é capaz de produzir, ou seja, é uma linguagem de linguagem.  O texto não-verbal  é  uma  experiência  quotidiana;  a  leitura  não-verbal  é uma inferência sobre essa experiência. Da natureza do texto, a leitura faz brotar suas aspirações e ambições metodológicas, mas dela própria, leitura, depende apreender aquela manifestação quotidiana.» (Leitura sem palavras. Editora Ática, p. 13)

Disponha sempre!

Pergunta:

Em «Olegário só podia votar contra», é correto terminar a frase com a preposição? Aliás, fora este caso, há exceções para terminar frase com preposição?

Obrigado.

Resposta:

A frase é uma citação da obra de Nelson Rodrigues, A menina sem estrela: memórias.  

A frase apresentada está correta, se considerarmos que contra é não uma preposição, mas um advérbio que expressa o modo como se votou (= contrariamente).

A frase apresentada será o oposto de (1):

(1) «Olegário votou a favor.»

Disponha sempre!