Pergunta:
Vejo, comumente, em português europeu (PE), frases como «João vai comer ao restaurante» ou «Milhões de imigrantes vão trabalhar para os Estados Unidos».
1) Equivalem essas frases a estas, em português brasileiro (PB): «João vai ao restaurante comer» e «Milhões de imigrantes vão para os Estados Unidos trabalhar»?
2) Se sim, nas frases em PE, o verbo ir se emprega apenas como principal, correto? E não como verbo auxiliar de comer e de trabalhar?
3) Se assim for, que raciocínio subjaz à construção sintática em PE, que traz a oração subordinada adverbial final reduzida de infinitivo para junto do verbo ir, numa construção que lembra o uso de ir como auxiliar?
Chamei oração subordinada final reduzida de infinitivo às orações «comer» e «trabalhar», porque entendo que sejam mesmo orações reduzidas de infinitivo, e não apenas verbos no infinitivo, porque estão em lugar de «para comer» e «para trabalhar». Em PB, pode-se inclusive dizer «João vai ao restaurante para comer» e «Milhões de imigrantes vão para os Estados Unidos para trabalhar».
4) Em PE, são gramaticais «João vai para comer ao restaurante» e «Milhões de imigrantes vão para trabalhar para os Estados Unidos»? Imagino que não. Por que não, se os verbos estão em lugar de orações subordinadas adverbiais com este exato sentido?
Desde já, agradeço-lhes a atenção.
Resposta:
As questões colocadas pelo consulente envolvem um caso limite dos verbos auxiliares.
Assim, nas situações em que o verbo ir surge numa frase com um sujeito agentivo e com uma expressão direcional, este não funciona como auxiliar.
Nas frases apresentadas em (1) e (2),
(1) «(O) João vai comer ao restaurante.»
(2) «Milhões de imigrantes vão trabalhar para os Estados Unidos.»
verificamos que os constituintes «(O) João» e «Milhões de emigrantes» controlam a situação expressa pelo verbo (sendo, portanto, agentivos). Por outro lado, em ambas as frases está presente uma expressão direcional («ao restaurante» e «para os Estados Unidos»). Estas expressões são, em ambos os casos, complemento oblíquo do verbo ir: «ir ao restaurante» e «ir para os Estados Unidos», o que mostra que ir, nestas situações, não é um verbo auxiliar, mas sim um verbo pleno.
O predicado que segue o verbo ir é, então, como afirma o consulente, uma oração (reduzida) de infinitivo que é semanticamente equivalente a uma oração subordinada adverbial final («para comer» e «para trabalhar»).
Quanto às frases apresentas em 4), elas não são possíveis porque o constituinte que inclui a expressão direcional, ao ser afastado do verbo ir, procura funcionar como complemento do verbo da oração infinitiva, o que torna a frase agramatical. Esta agramaticalidade fica também a dever-se ao facto de o verbo ir voltar a funcionar como auxiliar por ter perdido o seu complemento, situação em que é incompatível com uma oração sub...