Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há dias, em conversa com um colega meu, surgiu-me(-nos) uma dúvida que não conseguimos esclarecer e da qual não fomos inclusive capazes de perceber a origem. A questão prende-se com os termos afia e aguça, no sentido de aguçadeiras ou apara-lápis. Um de nós afirma claramente que ambas as palavras são femininas, ou seja, pronuncia-as como «a afia» e «a aguça». Outro defende convictamente que ambas as palavras são masculinas. Sondámos vários amigos, colegas e familiares em busca de uma resposta, mas apenas chegámos a uma conclusão: que não há concordância e que as pessoas naturais da região norte utilizam maioritariamente a forma feminina e as do Centro a masculina. A que se deverá esta situação? Tratar-se-á de regionalismos, ou simplesmente uma das formas é totalmente errada?

Obrigada.

Resposta:

Em resposta anterior, foi afirmado que «a palavra afia é do género masculino («o afia»), porque é uma redução de afia-lápis»; por outro lado, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, edição da Editorial Verbo, também considera a palavra um substantivo [nome] masculino «derivado regressivo de afiar». Já o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2010, diz que a palavra é masculina ou feminina, sem qualquer explicação, embora nos remeta, na entrada afia, para afia-lápis, um nome [substantivo] masculino.

Em relação à palavra aguça, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa diz que se trata de um regionalismo «derivado regressivo de aguçar», e considera-o um substantivo [nome] masculino; e, neste caso, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, também diz que é um nome [substantivo] masculino.

Assim, parece-me que são palavras masculinas, embora seja possível que na região norte de Portugal se utilize maioritariamente o feminino.

Pergunta:

Qual é a origem da conjunção subordinativa comparativa feito? Exemplo: «Ele age feito louco.»

Abraços!

Resposta:

A conjunção comparativa feito vem do «lat[im] fāctus,a,um, "feito, executado, obrado, criado, produzido" part[icípio] pas[sado] de fiĕri, "ser feito, fazer-se, dar-se"».

No contexto referido, e também em «trabalha f[eito] burro de carga», a palavra feito significa «como, do mesmo modo que, tal qual».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.]

Pergunta:

Qual o significado da expressão «o Dia D»?

Resposta:

O Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, edição da Editorial Notícias, regista a expressão «Dia D», com o significado de «o dia em que se tomam grandes decisões»; diz ainda que «A origem está na II Guerra Mundial. O "dia D" foi o nome por que ficou conhecido o dia do desembarque aliado na Normandia, que viria a inverter o sentido da guerra, até aí favorável aos Alemães.»

Por sua vez, a obra Nas Bocas do Mundo, de Sérgio Luís de Carvalho, edição da Planeta, tem uma versão um pouco diferente, pois diz o seguinte:

«A expressão remete para o dia em que as forças aliadas (Canadá, Inglaterra, Estados Unidos e soldados gaullistas da França Livre) invadiram a França ocupada pelas forças nazis. Na linguagem cifrada dos comandantes aliados, designou-se por "Dia D", o dia em que a invasão foi feita: 6 de Junho de 1944, na Normandia. Na verdade, "Dia D" é a tradução portuguesa de "D Day". Todavia, ao contrário do que é a crença comum, a expressão "Dia D" não nasceu com o citado desembarque na Normandia. A primeira vez que tal termo foi usado remonta a Setembro de 1918, aquando da primeira grande ofensiva americana na Primeira Guerra Mundial: a <...

Pergunta:

Queria saber a origem da palavra deboche.

Obrigado.

Resposta:

O nome (substantivo) deboche, que significa «libertinagem; devassidão» e «estroinice»; ou (no Brasil) «troça; zombaria», vem «do fr[ancês] débauche» [in Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora].

Além disso, o Dicionário Eletrônico Houaiss diz que deboche deriva do «fr[ancês] débauche (1740, pref[ixo] des- no sXV), "uso excessivo e desregrado de todos os prazeres, particularmente os venéreos e os da mesa, devassidão, libertinagem", regr[essivo] de débaucher (1740, pref[ixo] des- sXV), ac[e]p[ão] orig[inal] "desbastar um tronco até transformá-lo em viga, estaca etc.", donde "fender, separar" e, p[or] ext[ensão], "desviar, desencaminhar alguém do trabalho, dos deveres"; der[ivação] com pref[ixo] des- (depois -) + bauch "viga" < frânc[ico] *balk "id."; no port[uguês], dá-se o empr[és]t[imo] do subst[antivo] fr[ancês] débauche já na ac[e]p[ão] "libertinagem, devassidão", que MS [Antônio de Morais Silva] (1813) não vê com bons olhos, por desnecessária; criou-se posteriormente no Brasil a acp. "zombaria"». Este dicionário acrescenta, ainda, que é «voc[ábulo] consid[erado] gal[icismo] pelos puristas, que sugeriram em seu lugar: devassidão, libertinagem, brincadeira, troça, zombaria, escárnio, menosprezo».

Pergunta:

Qual o significado da palavra rebarbou, no trecho «Rebarbou a presença do pai»?

Resposta:

O verbo rebarbar, além de «aparar rebarba(s) de; raspar (metal) com petrecho apropriado» e, em sentido figurado, «recusar-se (o animal) a seguir, dando pinotes ou saindo para um dos lados», significa, também em sentido figurado e como termo de marinha, «recusar obediência; reclamar contra injustiça; objetar», tratando-se de regionalismo do Brasil de uso informal.

No contexto, «Rebarbou a presença do pai» é o mesmo que «objectou à presença do pai» ou, dado que objectar é, entre outras coisas, «fazer oposição a», «fez oposição à presença do pai».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.]