Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que significa «consoantes geminadas» ou «duplas»? Será que pode dar-se como exemplo o nome arábe Muhammad, porque na língua árabe temos algo que se chama xaddah, que representa duas consoantes através de um símbolo?

É que não sei se no português digo "geminado" ou se temos uma outra designação.

Obrigado.

Resposta:

Pode dizer-se «consoante dobrada», «consoante dupla» ou «consoante geminada» (cf. Dicionário Houaiss). Importa é que num mesmo documento se use sempre o mesmo termo.

No português não existem consoantes duplas como unidades distintivas (fonológicas). No entanto, elas podem produzir-se foneticamente no português de Portugal por queda do e átono, embora tais pares possam ser pronunciados como consoantes simples. Por exemplo (na pronúncia mais rápida): Campo Pequeno = "camppqueno", "campqueno"; Faculdade de Direito = "faculdaddireito".

 

 

Pergunta:

Pediria uma orientação quanto ao hífen em três termos da rubrica de música: «forma sonata», «forma rondó» e «forma rondó sonata» (ou "forma-sonata", "forma-rondó" e "forma rondó-sonata"?).

Nos dicionários, encontro sonata e rondó como substantivos, jamais adjetivos. Em dicionário nenhum encontro "rondó-sonata", uma forma musical híbrida conhecida pelos melômanos e musicólogos.

Entretanto, no Houaiss eletrônico (v. 1.0, 2001), no verbete sonata, no comentário acerca da locução «sonata forma», lê-se «forma composicional clássica bitemática […]; forma sonata» (sem hífen). No mesmo dicionário, verbete forma, acepção «25: disposição dos elementos de uma peça musical […] modelo de composição», aparecem como exemplos «forma sonata» e «forma lied» (sem hífen).

No Novo Dicionário Eletrônico Aurélio (v. 5.0. 2004), verbete rondó, a acepção 4 prevê uso no sentido de «forma musical». Assim, rondó em si já significa «forma rondó», porém isso não afasta a prerrogativa de se lhe associar a palavra forma. Afinal, há ambiguidades, basta pensar em um movimento de concerto estruturado em rondó (aqui forma musical, não gênero do repertório).

Sinto-me inclinado a grafar "forma-sonata", "forma-rondó" e "forma rondó-sonata" porque em todos os casos ao menos dois substantivos se juntam para formar um novo significado, independente. Parece-me inafastável a independência visto haver sinfonias e aberturas operísticas feitas em forma-sonata (uma estrutura teórica, um esqueleto de construção). Ao mesmo tempo, há sonatas de todo alheias à forma-sonata. Desse modo, escapa-me o raciocínio a afastar o hífen, a não ser que caiba (ou s...

Resposta:

Pouco há acrescentar ao diagnóstico competente apresentado na questão.

O tipo de oscilações que ocorrem nos casos de «forma sonata» e «forma rondó» parece ocorrer também, por exemplo, nas  formas homólogas do italiano (salvaguardada a devida distância, porque esta língua tem uma ortografia bastante diferente da do português). Com efeito, a Enciclopédia Treccani aceita, para o italiano, duas grafias para «forma sonata» – com e sem hífen. Sendo assim:

a) se em «forma sonata» e «forma rondó» as palavras sonata e rondó forem analisadas como apositivas, dispensa-se o hífen;

b) no entanto, não é impossível a hifenização de modo a assinalar que se trata de um composto em que sonata e rondó perderam a função apositiva e, em associação com forma, constituem já unidades com sentido próprio.

Quanto a rondó-sonata, o hífen justifica-se porque se trata da associação de dois substantivos que se coordenam para formarem uma unidade lexical (composto) e gráfica que denota um género híbrido ou uma peça que concilia as duas formas.

Note-se, ainda, que o Dicionário Houaiss regista também como subentrada a sonata a expressão «sonata forma», também sem hífen, tal como acontece à forma «forma sonata» (subentrada a forma, no referido dicionário). Além disso, tendo em conta as observações do consulente, a sequência «forma rondó-sonata» configurará apenas um caso de aposição (para especificação) de rondó-sonata a forma. Daqui se infere que não se justifica um hífen extra e que, não podendo legitimar-se «forma-rondó-sonata», se deve aceitar «forma rondó-sonata».

 

Pergunta:

Estudando a conjugação do verbo prazer [...], deparei-me com certa discordância entre as possíveis formas de conjugá-lo, assim como as de seus derivados: aprazer, comprazer, desaprazer, descomprazer e desprazer.

Se possível, gostaria que me fossem enviadas as conjugações dos mencionados verbos e de que se esclarecesse por que possuem diferentes padrões de flexão, partindo da premissa que todas, acredito, derivam do verbo prazer.

Obrigado.

Resposta:

O verbo prazer tem potencialmente a conjugação completa, mas a verdade é que as suas ocorrências, que não se distinguem por frequências significativas, se limitam às formas de 3.ª pessoa (singular ou plural), conforme se pode confirmar pela consulta em dicionários e vocabulários ortográficos em linha (ver Infopédia, Dicionário PriberamDicionário HouaissVocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa). Diz-se, portanto, que é um verbo defetivo. Os verbos aprazer, desaprazer  e desprazer, que dele derivam, mantêm a defetividade, mas comprazer e descomprazer são considerados como verbos de flexão completa.

Convém assinalar que, na descrição da flexão de prazer e derivados, o radical destes verbos, que é praz- nos tempos do sistema do presente, muda para prouv- nos tempos do sistema do perfeito: prouve, aprouve, comprouve, desaprouve, descomprouve, desprouve. No entanto, há também registo legítimo da regularização, com a genralização do radical praz- a todo o paradigma: prazeu, aprazeu, comprazeu, desaprazeu, descomprazeu, desprazeu.

Os quadros de conjugação de todos os verbo...

Pergunta:

Posso estar muito enganado, mas me parece correto o exato oposto do que o consultor Carlos Rocha, por cuja clareza didática sempre tive, e tenho, muito apreço, respondeu ao consulente Mario Fraga.

O oposto parece-me correto ao menos quando se fala de cidadãos de determinada nacionalidade que têm ascendência parcialmente estrangeira: quando se diz «os ítalo-brasileiros», alude-se aos brasileiros de ascendência italiana.

Talvez por isso tendo a pensar num encontro franco-italiano como organizado na Itália com colaboração de franceses (ou sobre temas ligados à França). É verdade, porém, que o primeiro termo me parece, em qualquer caso, estar em posição de destaque, realçado em relação ao segundo, mas isto se me afigura naturalmente resultante da sua função de qualificador restritivo do adjetivo italiano: não é um encontro puramente italiano, mas franco-italiano, assim como ítalo-brasileiros se destacam do conjunto dos brasileiros por serem descendentes de italianos, ao passo que os demais brasileiros o serão de outros povos. Enfim, talvez haja alguma lógica diferente subjacente à formação dos adjetivos pátrios compostos quando referidos a ascendências. Não sei dizê-lo.

O que, todavia, diria com toda a certeza é que, ao menos no Brasil, um franco-italiano seria, sempre e exclusivamente, um italiano com antepassados franceses, e um ítalo-francês, um francês com antepassados italianos. Se a mesma lógica se aplica à formação dos adjetivos pátrios compostos quando não aplicados à ascendência de pessoas é que não sei dizer.

Resposta:

A resposta em causa foca a formação de compostos com adjetivos pátrios como franco-italiano ou ítalo-francês, que têm uma estrutura de coordenação e são parafraseáveis por «francês e italiano» e «italiano e francês», respetivamente. Os casos em questão – ítalo-brasileiro, franco-italiano e ítalo-francês – têm outro tipo de relação interna entre os seus constituintes, pois são parafraseáveis como «brasileiro descendente de italianos/origem italiana», «italiano de origem francesa» e «francês de origem italiana». Trata-se, portanto, de palavras do mesmo tipo que lusodescendente, «descendente de portugueses», ou afro-americano (ou afroamericano), quando esta forma significa «americano descendente de africanos» (embora a palavra também possa significar «africano e americano»).

Sobre este tipo de palavras, não há preceitos claros para a grafia das chamadas formas reduzidas dos adjetivos pátrios quando estas aludem a questões de ascendência e genealogia. A tendência é geralmente tratar as formas reduzidas (p. ex., luso-) como elementos prefixais sujeitos às regras de hifenização respetivas (ver Base XVI do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990). Os vocábulos assim constituídos devem, portanto, escrever-se sem hífen, cada qual configurado como uma única palavra gráfica.

Neste contexto, poderia até sugerir-se que afro-americano, com hífen, seria a grafia mais adequada para o adjetivo relacional composto parafraseável por «africano e americano», enquanto afroamericano corresponderia ao adjetivo que significa «relativo aos am...

Pergunta:

Vi no cursinho que durante, mediante, senão e salvo podem ser considerados preposições acidentais.

Eu sei que segundo pode ser representado um numeral (2.º) e uma preposição ao ligar palavras («segundo ele, estamos bem»).

Mas qual a outra classe gramatical dessas quatro palavras acima? Seriam substantivos? Não consegui encontrá-las em nenhuma outra classe para fazer a comparação.

Obrigada.

Resposta:

O termo «preposição acidental» é usado por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (2009, p. 338), com a seguinte definição: «[...] consideram-se as palavras de outras classes, eventualmente empregadas como preposições: conforme, consoante, durante, exceto, fora/afora, mediante, menos, salvante, salvo, segundo, tirante.» Trata-se, portanto, de casos de derivação imprópria ou, para empregar uma terminologia mais recente, de conversão.

Sucede, porém, que o termo nem sempre é descritivamente adequado para o conjunto de preposições em questão, porque muitas vezes a relação dessas palavras com a classe morfossintática original não é acessível à intuição do falante comum. Na verdade, muitas vezes é preciso recorrer a explicações de caráter histórico, raramente ao alcance do conhecimento linguístico mais generalizado. Seria talvez preferível classificar estas preposições como palavras homónimas das formas que estão historicamente na sua origem1.

De qualquer modo, procurando identificar as classes donde provêm as preposições em questão, justifica-se associar a forma preposicional segundo ao numeral segundo, como, aliás, a consulente demonstra, muito embora, historicamente, a relação não seja assim tão direta. Opaco também não será o nexo entre a preposição salvo e o particípio passado salvo, de salvar (na aceção de «retirar, livrar»); também não será obscuro vincular o uso preposicional de senão (ex.: «ninguém me apoiou senão você») ao funcionamento da mesma forma c...