Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra géneros presente na expressão «pagar em géneros» (exemplo: artigo 1530.º, n.º 3 do Código Civil).

Grata pela atenção.

Resposta:

Pelo menos, desde o século XVI que se usa a palavra género no plural para designar produtos principalmente destinados à alimentação.

É provável que géneros tenham adquirido este sentido subentendendo, por exemplo, hortaliça ou outra designação de produto agrícola, como acontece de forma explícita no seguinte exemplo:

(1) «Também tem uma vinha que dá boas uvas, os melões se dão no refeitório quase meio ano, e são finos, nem faltam couves mercianas bem duras, alfaces, rabãos e outros géneros de hortaliça de Portugal em abundância [...].» (Fernão Cardim, Carta de relação da viagem e missão a Província do Brasil, 1590, in Corpus do Português).

Pergunta:

Encontrei o termo subjectification em texto inglês que se baseia em Foucault e noutros textos pela internet relativos a esse autor encontrei "subjetificação", mas na maioria dos textos encontrei "subjetivação".

Afinal qual a diferença entre os termos? Qual deles eu deveria usar se não fora falar diretamente de Foucault?

Resposta:

Recomenda-se a forma subjetivação.

Consultando textos em francês, de Michel Foucault (1926-1984) ou relativos às ideias deste filófoso, verifica-se que o termo utilizado em francês é subjectivation (ler aqui, em francês), que corresponde ao português subjetivação. Este é um derivado de subjetivar, que significa, como subjetivizar, «tornar subjetivo».

Sendo assim, porque o termo foi cunhado em francês, afigura-se preferível empregar subjetivação, como forma portuguesa homóloga, que de resto é a predominante na tradução e comentário deste conceito proposto e explorado por Foucault (ver resultados de uma pesquisa Google aqui).

Pergunta:

Procurei nos dicionários e não achei este verbo, apenas encontro o seu substantivo monolatria.

Então, a dúvida que me surge é a seguinte: será que posso usar o verbo "monolatrar"?

Como, por exemplo: «E, for monolatrar Deus». Ou como posso dizer neste contexto?

Obrigado.

Resposta:

Não se atesta o uso da forma "monolatrar".

Em teoria, poderia formar-se tal verbo, mas acontece que, entre as palavras terminadas em -latra, só idólatra dá origem a um verbo, idolatrar. Todas as outras formas, incluindo monólatra (que não está dicionarizado, mas é possível, como termo correspondente a monolatria*), não têm verbos derivados registos nos dicionários, o que sugere que esta possibilidade é considerada pouco ou nada relevante no uso ou é vista com certas reservas.

Como alternativa mais prudente, pode sempre recorrer a expressões mais extensas como «praticar a monolatria» ou «ser monólatra».

* Monolatria: «adoração a um só deus ou ser» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Durante o meu estudo (de Matemática), ao transcrever as minhas palavras para o papel, parece que criei duas novas palavras, "explicidade" e "implicidade" (de algo). O tópico era explicitar o modo como uma equação pode ser explícita ou implícita, concretamente se num membro da equação possuir as variáveis, por exemplo x+y=1 é uma equação implícita; por outro lado, se um membro possuir uma incógnita isolada, w=k+1, assim já é uma equação explícita [...].

Como é que eu escrevo «a maneira ou modo que um determinado assunto é explicito/implicito»?

Obrigado.

Resposta:

Para designar a «maneira ou modo que um determinado assunto é explicito/implicito», já existem dicionarizadas as palavras explicitude e implicitude.

As formas "explicidade" e "implicidade" são discutíveis, porque seria de esperar que o sufixo se associasse aos radicais explicit- e implicit- dos adjetivos explícito e implícito, respetivamente, daqui resultando palavras como "explicitidade" e "implicitidade", que não se atestam.

Note-se, porém, que, relacionados com explícito e implícito,  se registam explicitude, «qualidade ou condição do que é explícito ou está claramente expresso» (cf. Infopédia e Priberam) e implicitude, «qualidade ou condição do que é implícito ou está subentendido» (cf. Priberam). São palavras bem formadas cujos significados correspondem ao que o consulente procura.

Também se regista explicitação e implicitação, mas estas palavras, derivadas dos temas dos verbos explicitar e implicitar, são usadas no sentido de «ação de explicitar/implicitar» (cf. Infopédia e Priberam).

Pergunta:

Gostaria de saber a origem e significado da palavra blusa.

A minha maior dúvida é se vem do latim ou do francês. Qual a sua verdadeira história? 

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Se não tiver origem francesa, a palavra blusa entrou no português, pelo menos, por via do francês.

Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra blusa vem «do francês blouse "blusa" (século XVIII), de origem incerta; [ocorrendo] em vocábulos atestados desde o final do século XIX: blusa, blusão, blusaria, bluseira, bluseiro». O francês blouse, de origem obscura, designava originalmente uma peça de roupa de trabalho masculina (cf., em inglês, o Online Etymology Dictionary). Há quem sugira que blouse vem de do latim medieval pelusia, termo adjetival alusivo a Pelusium, cidade do Alto Egito e centro de fabrico de têxteis na Idade Média (ibidem).

Quanto aos significados, a palavra refere geralmente uma «espécie de camisa feminina, com ou sem mangas» (Infopédia), embora também possa, ao que parece de forma muito menos corrente, designar um «vestuário leve e largo usado sobre a camisa por operários, artistas, crianças, etc.» (ibidem).