Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se diz:

«Famílias obrigadas a pedirem ajuda» ou «famílias obrigadas a pedir ajuda»?

Resposta:

As duas frases estão corretas.

Na oração não finita selecionada pelo verbo obrigar, pode usar-se quer o infinitivo flexionado quer o não flexionado, conforme se infere do seguinte exemplo, recolhido em J. Peres e T. Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa (1995, pág.227):

1. «O general obrigou os recrutas a cortar(em) o bigode.»

Neste exemplo, evidencia-se a possibilidade de ocorrência tanto de «cortar» (infinitivo não flexionado»), como de «cortarem» (infinitivo flexionado, a concordar com «famílias»).

Estes dois usos são também possíveis mesmo que obrigar ocorra na voz passiva (exemplo 2,  a seguir) ou o seu particípio passado, obrigado, modifique um nome (exemplo 3):

2. Estas famílias são obrigadas a pedir/pedirem ajuda.

3. Famílias obrigadas a pedir/pedirem ajuda.

Pergunta:

Vejamos a seguinte frase: «É melhor levares a caixa para a cozinha.»

Se quisermos substituir a expressão «a caixa» por um pronome, como ficaria? A frase correta será «É melhor levá-la para a cozinha» (ou seja, igual à 1.ª e à 3.ª pessoas do singular)?

Resposta:

Em teoria, segundo as regras – com formas verbais terminadas em -s, este desaparece o pronome o(s)/a(s) passa a lo(s)/la(s) –, fica «é melhor levare-la para a cozinha».

Contudo, na prática, evita-se a conjugação pronominal da 2.ª pessoa do singular do infinitivo flexionado, talvez porque, soando como "levarla", soe como um erro, por levá-la. A estrutura alternativa é empregar a construção impessoal, com o infinitivo não flexionado («é melhor levá-la»), ou recorrer à uma oração finita («é melhor que tu a leves»).

Pergunta:

Como é a tradução portuguesa de «stand-up comedy»?

Obrigado.

Resposta:

Há várias maneiras de traduzir o inglês stand-up comedy: «solo cómico», «comédia a solo», «solo humorístico», «humor a solo». Contudo, em Portugal, parece ter algum uso a expressão «espetáculo de humor», em lugar do anglicismo (ver aqui). Poderia ainda pensar-se em «número cómico» ou «número humorístico», mas estas designações aplicavam-se em Portugal à intervenção de um humorista ou artista cómico que preenchia (sozinho ou não) parte de um espetáculo que tinha outras atrações. Por stand-up comedy, entende-se, portanto, um tipo espetáculo que se aproxima do monólogo, porque nele atua apenas um artista, embora tenha características próprias, como seja a utilização de textos cómicos originais e certo grau de interação com o público, conforme se assinala no artigo que lhe dedica a Wikipédia em português.

Cf. 8 palavras  que os ingleses nos roubaram

Pergunta:

«Comprei esta TV dois meses atrás.»

Nesta frase como eu classificaria a palavra atrás? Advérbio de tempo? Tenho tal dúvida, pois os dicionários classificam a palavra atrás como advérbio de lugar...

Resposta:

No contexto em questão, considera-se que atrás é um advérbio de tempo, como, aliás, se depreende por uma das aceções que o Dicionário Houaiss atribui à palavra: «no passado Ex.: "tempos atrás ele candidatou-se a deputado"; "dois meses a. não se falava em crise"».

Sobre o erro que consiste em juntar a esta construção temporal, ver os Textos Relacionados (ao lado).

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "primevo" se pronuncia com "e" aberto ou fechado.

Resposta:

Como medievo, primevo tem é aberto e aplica-se ao «que diz respeito aos tempos primitivos» (dicionário da Porto Editora). Vem do latim primaevu-, «que está na primeira idade».

Sobre o elemento de composição -evo, que tem origem no latim -aevu-, observa o Dicionário Houaiss (desenvolveram-se as abreviaturas):

«pospositivo, do latim aevus ou aevum, i 'tempo', considerado na sua duração, por oposição a tempus, que designava, primitivamente, aspecto punctual do tempo; ocorre em eruditismos latinos na sua origem ou à sua feição, como coevo, eqüevo, grandevo, longevo, medievo, primevo [...].»

É curioso assinalar que nem todos os adjetivos listados na fonte citada têm o e aberto na sílaba tónica. Com efeito, notam-se oscilações na pronúncia de longevo e coevo, que são muitas vezes pronunciados com o e fechado, sem que tal seja considerado erro. De qualquer modo, no caso de primevo, mais estável, a pronúncia é mesmo com e aberto.