Pergunta:
Examine-se a seguinte frase:
«Muito poucos estudantes estiveram presentes na palestra.»
Poucos, no caso, é pronome indefinido adjetivo, pois modifica o substantivo estudantes. Por sua vez, muito funciona como advérbio, a intensificar o referido pronome adjetivo. Agora vem a dúvida: se escrevermos «Muito poucos conseguiram compreender as palavras do orador», como classificar o termo muito? Não poderia ser advérbio, pois está modificando um pronome, ainda indefinido, mas substantivo. Não se pode aludir a um termo implícito, pois não é o caso: poucos, funcionando como pronome substantivo, não exige a existência de tal termo. E não se faz a concordância com poucos, como se esperaria de um pronome adjetivo a modificar um pronome substantivo. Curiosamente, com outro, também pronome indefinido, ocorre a concordância: «Uns ficaram, outros seguiram os passos do mestre»; «Muitos outros seguiram os passos do mestre».
Obrigado.
Resposta:
As observações do consulente são muito curiosas e estão adequadas. Contudo, é de realçar que certas descrições fora do quadro tradicional abordam o problema identificado tratando o pronome substantivo pouco como um pronome adjetivo indefinido (na verdade, tais descrições consideram-no um quantificador) que ocorre numa construção elíptica, o que permite manter a inclusão de muito na classe dos advérbios, mesmo nesse contexto. Ou seja, «muitos poucos estiveram presentes...» vem a ser «muito poucos (estudantes) estiveram presentes...», com apagamento (elipse) de «estudantes» (sobre este assunto, consulte-se M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 360). É de notar que existe um caso de certo modo paralelo a este, quando se diz «mais pessoas», exemplo em que o advérbio adquire propriedades de quantificação quantificacional, aproximando-se do que tradicionalmente se concebe como um pronome adjetivo (em Portugal, um quantificador).