Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por haver uma vila que se chama Redondo, como dizer: «nasci no Redondo», ou «nasci em Redondo»?

Resposta:

Ambos os usos são legítimos, mas parecem pertencer a níveis de língua diferentes.

A associação do artigo definido ao topónimo Redondo (distrito de Évora; Portugal) conhece certa variação, que deve ser bastante antiga. A presença do artigo definido a acompanhá-lo está atestada desde o século XV:

1 – «Sabham os que este estormento d encapaçam vyrem que na Era de mill e quatroçentos e çincoenta e dous anos quinze dias do mes de d agosto em na vylla do Redondo dentro em nas casas da morada d afomso e annes callenbo [..].» ("Instrumento de encampação em Leonor Gonçalves da Silveira de uma casa em pardieiro no Redondo, que trazia João Gonçalves e Margarida Lourenço" 1414, Fragmenta Historica 2, 2014, págs. 105-106).

Compreende-se a presença do artigo definido se se atender à probabilidade de redondo ter sido usado como adjetivo substantivado «aplicado a pormenores das orografias das localidades (montes, rochedos, etc.) ou a edifícios (castelos, construções arqueológicas, etc.)» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Nesta perspetiva, o nome seria acompanhado de artigo definido, como acontece com muitos substantivos comuns convertidos em topónimos (cf. «o Porto», «a Figueira da Foz», ainda que haja exceções – ver Textos Relacionados).

No entanto, encontra-se também o uso sem artigo definido em expressões como o título de «conde de Redondo» ou a expressão toponímica «vila de Redondo», as quais, não sendo tão antigas como a passagem citada em 1 (por exemplo, o título nobiliárquico foi

Pergunta:

Como vivi, estudei e tenho família na vila de Luso, tenho dúvidas em relação ao nome da serra que a acalenta – «serra do Buçaco» ou «Bussaco». Tenho lido diversas publicações ou estudos sobre a maneira ortograficamente correta, com explicações académicas e referências de especialistas na matéria. Juntando tudo isto, levo a concluir que a forma correta seja Buçaco. Será? Muito agradecia uma resposta sobre este assunto, baseado, se possível, em autores especializados e respetivos tomos específicos e credíveis.

Com os melhores cumprimentos.

Resposta:

Antes da reforma ortográfica de 1911, era muito frequente escrever Bussaco, tanto assim que, dentro e fora da freguesia de Luso, era esta a grafia tradicional e tida por correta. Na verdade, pode ser essa a ideia com que se fica, quando se leem obras do século XVIII (por exemplo, o padre João Batista de Castro, no seu Mappa de Portugal Antigo e Moderno, publicado em 1762, regista Bussaco). No entanto, depois de 1911 (mais decididamente, com o acordo ortográfico de 1945), a grafia do topónimo passou a ser sempre Buçaco; e é assim que o registam os vocabulários ortográficos (no de 1940 da Academia das Ciências de Lisboa; no de 1966, de Rebelo Gonçalves; no da Porto Editora, de 2009), pela razão de a grafia com ç ser mais coerente com a sua história linguística desde o século X («monte buzaco», num documento do mosteiro de Lorvão, do ano 919 – ver Portugaliae Monumenta Historica – Diplomata, pp. 14 e 71), época a que parecem remontar as primeiras atestações. Se é certo que nos textos do século XVIII figura Bussaco, na Idade Média, a palavra era, portanto, escrita não com com s ou ss, mas, sim, com z (por exemplo, nos séculos X e XI), dando mais tarde lugar ao grafema ç.

Sabendo que a atual ortografia continua, na generalidade dos seus princípios, a que se instaurou a partir de 1911, deve ter-se em atenção que a distribuição de s e ss, por um lado, e ç (com c antes de e ou i

Pergunta:

Qual o sufixo da palavra caçador? A palavra é formada por caça + (d)or?

Resposta:

No caso em questão – caçador, que é nome e adjetivo derivado do tema verbal de caçar –, considera-se que o sufixo é -dor, na perspetiva de descrições recentes do português contemporâneo.*

Note-se, porém, que, numa perspetiva histórica, pode considerar-se que o sufixo é -or:

«Em -dor, -tor e -sor, bem como em -dora, -tora e -sura, os sufixos são propriamente -or e -ura. As consoantes d, t e s pertencem ao tema do particípio passado latino. Apenas as formas -dor e -dura são evolutivas; as demais são eruditas: só ocorrem em palavras latinas ou formadas sobre o seu modelo» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 99).

Por outras palavras, a forma sufixal latina -or, que se associava ao tema do particípio passado (exemplo: delator, que pressupõe um tema participial delat-), foi transmitida sem interrupção ao português, mas passou a ser analisada como uma unidade linguística integrando a consoante d, a qual é o resultado em português do -t- intervocálico latino. Além disso, o atual sufixo -dor passou a ligar-se a temas verbais de infinitivo: dar/dador, conhecer/conhecedor, repetir/repetidor.  Esta informação tem interesse histórico, mas não faz parte da intuição que qualquer falante tenha das unidades morfológicas da língua atual.

Pergunta:

Diz-se «jogar à bola», mas «jogar futebol», «jogar às cartas», mas «jogar no computador», «jogar à bisca» e «jogar póquer».

Existe alguma regra que determine quando se deve usar «jogar» e «jogar a»?

E, a propósito, qual a função sintáctica dos elementos que se seguem a «jogar» e «jogar a»?

Obrigado pela vossa ajuda.

Resposta:

Não há propriamente uma regra. O que existe é um conjunto de expressões fixas que incluem jogar, havendo até certa variação regional, pelo menos, atendendo ao que dizia Vasco Botelho de Amaral, no seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958), a respeito desse verbo:

«Em nosso idioma é mais frequente, sobretudo no Norte, o uso transitivo de jogar. E assim preferem alguns puristas. No Sul, em Lisboa, principalmente, fala-se: jogar à bola, jogar às cartas, às escondidas, etc. Não nos parece errónea esta construção. Aliás, em latim, ludere [«jogar»] pedia ablativo: ludere nucibus, ludere pila, etc. Camilo [Castelo Branco] usa, segundo apontámos, jogar transitivamente: jogava o quino [...], jogava-se o monte [...] jogar a bisca. Reflete-se [...] o emprego do Norte. Já Herculano escreve: Jogam à cabra-cega? [...], a agiotagem joga ao jogo dos trinta por cento [...].»

 

N. E. (29/10/2021) – No Brasil, é corrente o uso transitivo direto do verbo jogar seguido de bola sem artigo definido: «jogar bola» (cf. Dicionário Informal).

Pergunta:

Nas frases abaixo, qual é a função sintática das expressões que se seguem à forma verbal?

«O casaco custou cerca de 20 euros», «O casaco custou 20 euros», «O casaco custou muito dinheiro».

Obrigada.

Resposta:

Os complementos de verbos como custar, medir, pesar e durar, os quais envolvem uma avaliação ou uma medição, têm um comportamento especial: considera-se que são complementos diretos, mas não substituíveis pelo pronome -o (cf. Textos Relacionados). Noutra perspetiva, a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 368/369) classifica esses complementos como oblíquos não preposicionados.

N. E. (2/06/2016) – Recebemos de João de Brito (Vila Real) o seguinte comentário crítico:

«O conteúdo desta resposta é um bom exemplo da leviandade com que o funcionamento da língua é oficialmente tratado. Recorre-se a truques, a muletas, em vez de se ir ao âmago semântico da comunicação. E o resultado é sempre o mesmo: as exceções são mais que muitas e justificam-se a si mesmas ou por si mesmas. É o caso de “…mas não substituíveis pelo pronome –o.” Quanto à figura do complemento oblíquo, já disse o que tinha a dizer em "Sobre os complementos oblíquos e as preposições" (Correio) Refletindo: É notório que os verbos listados na resposta, e haverá outros, não têm a natureza transitiva daqueles que selecionam um complemento direto. Aqui, como por exemplo na matemática, há que desdobrar unidades de sentido. Assim, o verbo custar equivale a «ter o custo de». Ou seja, custar, nas frases em apreço, já incorpora o comple...