Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nesta frase «Nas capelas pendiam as armações de paninho negro (...); ao centro, entre quatro fortes tocheiras de grosso morrão, estava a eça, com o largo pano de veludilho cobrindo o caixão do Morais, (...)» (Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, capítulo XI, pág. 195 da editora Livros do Brasil, 2013) –  o que significa "eça"? Ou é uma gralha ortográfica?

Resposta:

Escreve-se essa (há também registos de eça), com o significado de «estrado, catafalco» e «cenotáfio»1.

Catafalco significa «estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras».

Cenotáfio define-se como «túmulo ou monumento fúnebre em memória de alguém cujo corpo não jaz ali sepultado; túmulo honorário».

1 Fontes: InfopédiaDicionário Priberam e Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte proverbio: «três vezes na cadeia é sinal de forca».

Resposta:

Trata-se de um provérbio alusivo a quem é teimoso ou reincidente num erro, a ponto de se tornar um caso desesperado.

Uma ligeira variante tem registo, por exemplo, no Livro dos Provérbios Portugueses (Lisboa, Editorial Presença, 2003), de José Ricardo Marques da Costa: «Três vezes à cadeia é sinal de forca.»

Em fontes brasileiras, o provérbio aparece, por exemplo, na Revista do Arquivo Municipal (volume 38, 1937, p. 30), numa série relacionada com uma área temática identificada como "Experiência, opinião, tenacidade, contumácia".

 

N. E. (30/01/2022) – O consulente Manuel Malheiros enviou o seguinte comentário explicativo, que se agradece: «[O provérbio relaciona-se com] "ao fim das três tem vez". Vem da norma medieval odiosa que condenava à morte quem cometesse três furtos, fosse qual fosse o valor e as condições; por exemplo, [o furto] de três galinhas do mesmo galinheiro, que podiam ser considerados três furtos. Procurou evitar-se esta aberração criminosa através da teoria do crime continuado, que através da doutrina da 

Pergunta:

Como se escreve a modalidade esportiva Fórmula 1 em narrativas? Há alguma regra específica de estilo sobre isso?

O correto é "fórmula um", com letra minúscula e o número por extenso por se tratar de algarismo inferior a dez e não terminado em zero?

Ou por ser uma modalidade esportiva conforme comentado, admite-se usar "Fórmula 1", com letra maiúscula e o algarismo?

Agradeço desde já o retorno e atenção!

Resposta:

A denominação em apreço ainda não tem grafia estável, mas pode aceitar-se que, preferencialmente, se escreve fórmula 1 ou Fórmula 1.

Com efeito, a minúscula na grafia desta expressão encontra-se no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. No Dicionário Houaiss, indica-se que tem maiúscula inicial quando se define fórmula como termo automobolístico: «cada uma das categorias de carros de corrida, correspondentes a determinados requisitos técnicos dos motores (p.ex., Fórmula 1, Fórmula 2000 etc.)».

No entanto, o Dicionário Priberam regista Fórmula Um como subentrada de fórmula, na aceção de «modalidade de corrida de automobilismo em cujo campeonato competem pilotos profissionais que conduzem carros de um só lugar com a tecnologia mais avançada da indústria automóvel». A grafia com um por extenso em lugar de 1 afigura-se mais marginal, ainda que este juízo não impeça a sua legitimidade.

Pergunta:

O oposto de sobrestimar é subestimar.

Será que a mesma lógica deveria aplicar-se a ponderar, com subponderar a ser o oposto de sobreponderar? Estas palavras não são aceites em muitos corretores ortográficos, nem em alguns dicionários. É correta a sua utilização?

E a utilização de "sobponderar", pode ser considerada um sinónimo de subponderar?

Alguma das alternativas está mais correta?

Obrigado.

Resposta:

É possível derivar prefixalmente os verbos subponderar e sobreponderar, tendo em conta os casos de subavaliar e sobreavaliar, que têm registo dicionarístico (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Quando se trata de prefixo com o sentido genérico de «abaixo de», a forma é quase sempre sub-, que é atualmente bastante produtiva. Também pode ocorrer como prefixo a forma sob-, mas em casos mais esporádicos, que se fixaram na língua, como se aponta no Dicionário Houaiss:

«[...] sob-, como prefixo, é seguido de hífen, quando se lhe junta elemento começado por r ou b, relacionando entre outros os seguintes vocábulos: sobalçar, sob-bosque, sobcapa, sobcavar, sobcessor, sobcopo, sobdominante, sobescavar, sobestar, sobfretar, sobgrave, sobjegar, sobmediante, sobnegar, sobpear, sobpor, sob-reptício, sob-roda, sob-rojar, sobsaia, sobtensão, sobterreno; é de notar que sob- apresenta a variante so-, em vocábulos como socapa, soentrar, soerguer, solevantar, somergulhar, sonegar, soterrar

Observe-se, porém, que, entre estes últimos exemplos, se encontram também variantes com sub-, como é o caso de sub-reptício, muito mais corrente.

Pergunta:

Encontro em diversas fontes o significado de caga-tacos. Não encontro é a origem da palavra. Podem ajudar-me?

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, é uma palavra popular, que significa «pessoa de baixa estatura» e se usa como nome invariável (mantém a mesma forma nos dois géneros e nos dois números). Pertence ao registo calão (gíria), onde geralmente se incluem vocábulos de criação anónima e nem sempre regular, o que talvez explique a falta de informação sobre a sua origem, pelo menos, factual1.

De qualquer modo, a forma como se formou e a sua expressividade são relativamente transparentes: será caga-tacos a pessoa muito baixa, que, por isso, parece arrastar as nádegas pelo chão, numa perspetiva de exploração do grotesco e do vulgar.

Esta imagem converge com outro termo grosseiro – cagueiro –, usado para referir o ânus ou as nádegas (isto é, o rabo)2. Trata-se, portanto, de uma palavra de intenção insultuosa.

 

1 Consultar Infopédia e Dicionário Priberam. Ver também o Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas (versão de 22/01/2022), de João José Almeida.

2 Ibidem.