Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O verbo fugir é regular, ou irregular? Estava convencido de que era irregular porque há alteração do radical (fujo/fugi) mas na Wikipédia encontrei o seguinte: «Não é considerada irregularidade a alteração gráfica do radical de certos verbos para conservação da regularidade fonética, ex.: vencer-venço, fingir-finjo.» Agradeço esclarecimento.

Resposta:

Considera-se geralmente que o verbo fugir (fujo, foges, foge, fugimos...) é irregular, e é assim que ele é tratado no contexto escolar não universitário. Nas gramáticas escolares que seguem o Dicionário Terminológico, os verbos que mostram alternância vocálica no presente do indicativo como fugir  – p. ex., cobrir ou dormir  estão entre os verbos irregulares (ver Nova Gramática do Português, Santillana/Constância, 2011, p. 89; Domínios  Gramática da Língua Portuguesa, Plátano Editora, 2011, p.126). Esta é, portanto, a perspetiva adotada nos ensinos básico e secundário, em Portugal.

Não obstante, importa registar que Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática da Língua Portuguesa, embora aceitassem esta classificação, que é tradicional, observavam que casos como o de fugir não são propriamente enquadráveis entre os verbos irregulares e, por isso,  propunham a definição de uma subclasse de «verbos com alternância vocálica» (p. 412):

«Às vezes a alternância vocálica observa-se nas próprias formas rizotónicas [= as formas cuja sílaba tónica pertence ao radical]. Por exemplo: subo, em contraste com sobes,

Pergunta:

Qual das seguintes hipóteses se encontra correta? Porquê? O pronome reflexivo faz falta?

(a) Quero convidar a ti e à tua família para uma festa que estou a organizar.

(b) Quero convidar-te, a ti e à tua família, para uma festa que estou a organizar.

Muito obrigado!

Resposta:

Aconselho «quero convidar-te a ti e à tua família para uma festa que estou a organizar», mas, neste caso, considero que não se pode dizer que a omissão do pronome -te seja inaceitável. Explico porquê a seguir.

Para que «a ti» tenha a função de complemento direto, é geralmente necessário que seja antecedido do pronome átono correspondente – te: diz-se/escreve-se, portanto, «quero convidar-te a ti», dando-se à relação entre o pronome te e a expressão «a ti» uma função enfática (para se sublinhar que o interlocutor é a pessoa convidada, e não outra pessoa).

Atenção que, na frase, se emprega o pronome átono te, que, nesse contexto, não é reflexo, uma vez que não retoma o sujeito da frase («eu», subentendido). A frase em questão apresenta também um elemento coordenado, «e à tua família». Se não se associasse a «a ti» ou a outra expressão preposicional com pronome («a mim», «a si»), a expressão seria «a tua família», que não poderia ser antecedida do pronome átono correspondente (as expressões nominais não reforçam pronomes átonos): «quero convidar a tua família» (não é possível «quero convidá-la à tua família»).

Contudo, na frase em discussão, «a tua família» está coordenada a «a ti», e, de modo a garantir a congruência sintática entre os elementos coordenados, também a expressão nominal é precedida da preposição a, embora mantendo a função de complemento direto (sobre complementos diretos preposicionados, ler Louvai ao Senhor ou Louvai o Senhor).

Por outras palavras, o pronome átono te é reforçado ou enfatizado por «a ti», que, por último, é coordenado com «à tua família». Esta ...

Pergunta:

Qual a origem do verbo entanguir-se (entanguidos, por ex.)? É algum regionalismo (Algarve, por ex.)? É aceitável a variante "enteguir-se"?

Resposta:

Entanguido não é um regionalismo algarvio, mas, sim, um vocábulo do português popular. Assinale-se, porém, que, entre as fontes consultadas para elaboração desta resposta, as variantes enteguido (pronunciada "entèguido") e intenguido, por exemplo, figuram no Dicionário do Falar Algarvio (Faro, Algarve em Foco Editora, 1996), de Eduardo Brazão Gonçalves, com este significado: «Tolhido de frio. De: entaguecer = encolher-se com frio».

Ambas as formas, entenguido e integuido, ocorrem noutras regiões do país (cf. Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e Português). Por exemplo, os dicionários gerais consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Porto Editora e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) registam entanguir e entanguecer como variantes do mesmo verbo ou como sinónimos que, segundo o Dicionário Houaiss, significam «tornar(-se) hirto de frio; enregelar(-se)».

De acordo ainda com esta última fonte, os referidos verbos terão origem em tango, homónimo de tango (dança), mas que será um regionalismo de Portugal com o significado de «galho», «pau». Observe-se, porém, que os dicionários da Porto Editora e da Priberam – elaborados e mantidos em Portugal – não acolhem tango em tal aceção, embora con...

Pergunta:

Referindo o ato de retirar o tubo endotraqueal de um paciente, qual é a grafia certa: estubar, ou extubar?

Resposta:

Deve escrever-se extubar.

O verbo extubar é registado pela edição de 2009 do Dicionário Houaiss como termo usado no domínio da medicina, com o significado de «remover tubo ou sonda de» (exemplo da mesma fonte: «extubar um paciente»).

Pergunta:

Vários dicionários portugueses apresentam a palavra treinamento sem qualquer restrição regional ou nacional. Porém, a verdade é que a sua sonoridade, segundo algumas opiniões, pode remeter para a variante brasileira da nossa língua. Qual é a vossa opinião sobre a palavra treinamento?

Resposta:

Treinamento é palavra que se usa sobretudo no Brasil, muito embora deste país também venham exemplos de treino.

Uma consulta do Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, revela que apenas nos textos brasileiros ocorre a palavra treinamento; contudo, nos mesmos textos, a forma treino, empregada como substantivo, também não está ausente. Uma consulta da Folha de São Paulo evidencia o uso quer de treino quer de treinamento. Além disso, os dicionários brasileiros incluem treinamento como palavra sinónima ou variante de treino1.

Ainda assim, não é possível afirmar que treinamento seja um uso exclusivamente brasileiro. É certo que, consultando o referido Corpus do Português, se verifica que, em textos portugueses, não ocorre treinamento; apesar disso, esta forma consta dos dicionários elaborados em Portugal2.

Quanto à possibilidade de, no português do Brasil, se usarem mais palavras sufixadas por -mento do que em Portugal, não é possível fazer aqui tal generalização. Há casos que podem dar essa impressão – por exemplo, mais uma vez no Corpus do Português, verifica-se que recebimento, surgimento e gerenciamento e são mais frequentes em textos brasileiros do que em textos portugueses (gerenciamento chega a não aparecer em nenhum texto de Portugal). Trata-se, portanto, de um tema merecedor de atenção, mas que terá de ser feito em nova resposta ou num artigo mais extenso3.

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