Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estava a escutar uma música da Dona Agrestina, mazuca e tudo mais, e notei que numa parte o cantor diz «tu sois preguiçosa».

É possivel que no Nordeste tenha existido, seja lá por quanto tempo, o pronome vós que os estudiosos dizem já não ter vindo ao Brasil (e sim o vosmecê e variáveis)?

Ou terão vindo para o Nordeste portugueses que já confundiam a conjugação da segunda pessoa do plural com a da segunda do singular?

Há outros exemplos desse fenômeno ou é só esse caso do verbo ser (sois)?

Resposta:

Não foi aqui possível achar informação sobre o caso de mistura de formas do singular e plural da 2.ª pessoa.

Talvez o caso apresentado resulte de desconhecimento do uso de tais formas, levando a associá-las indevidamente. Também é plausível – não se conseguiu aqui confirmar – que a associação de formas de tu com formas de vós possa ocorrer só em certos contextos (rimas, canções), para sugerir, por exemplo, certa solenidade ou que, pelo contrário, seja fenómeno mais sistemático. Note-se, porém, que, em Portugal, esta associação não está documentada.

A resposta fica, portanto, em aberto, ficando a pergunta como atestação da ocorrência dessa mistura de pronomes e conjugação verbal no nordeste brasileiro.

Pergunta:

«Não vi o Miguel.»

Na frase em apreço, não, de acordo com a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP) é complemento circunstancial de negação?

Afinal, existe essa nomenclatura na NGP? E de acordo com o Dicionário Terminológico?

Obrigado!

Resposta:

O advérbio não não constitui complemento circunstancial no quadro da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 (NGP). É apenas um advérbio de negação a que a NGP não dá função sintática especial.

Quanto ao Dicionário Terminológico, também não se trata de um modificador, mas, sim, de um marcador da polaridade da frase (afirmativa/negativa).

Pergunta:

Gostava de saber o que é na verdade um complemento determinativo.

 

Resposta:

O termo «complemento determinativo» faz parte da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967 (NGP) e é referente a qualquer estrutura introduzida pela preposição de depois de um substantivo (ou nome, em terminologia mais recente).

Isto mesmo se confirma, por exemplo, numa gramática publicada em Portugal quando ainda vigorava a NGP (mantém-se a ortografia do original):

«O substantivo ligado a outro substantivo pela preposição d", para designar posse, parentesco ou o objeto de uma acção ou sentimento, denomina-se complemento determinativo:

Edifício do Estado

Livro de poesia

Amor do trabalho

Vinho do Dão

Causa da fuga»

(J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora/Livraria Arnado/Empr. Lit. Fluminense, 1976, p. 67)

Tendo a NGP deixado de vigorar em Portugal há praticamente duas décadas, observa-se que, no quadro do Dicionário Terminológico, os antigos complementos determinativos correspondem hoje a duas estruturas diferentes: os complementos do nome e os modificadores restritivos do nome (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

Por que no Brasil a abreviação de Atenciosamente é At.te?

Como a Academia Brasileira de Letras chegou a essa abreviação? Não consigo entender.

Por que tem esse ponto no meio, por exemplo? Não consigo achar essa resposta em site nenhum.

Quando essa pergunta aparece, simplesmente respondem que a abreviação é essa, e não “att.”.

Obrigado.

Resposta:

A forma At.te é a abreviatura tradicional de atenciosamente, palavra que, geralmente escrita com inicial maiúscula (Atenciosamente) é uma das opções para formular o fecho de uma carta formal1.

Em Portugal também se atesta a abreviatura At.te, pelo menos, desde 1940, conforme atesta o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa que a Academia das Ciências de Lisboa nesse ano publicou.

Uma abreviatura costuma ser formada por duas ou três letras da palavra seguidas de um ponto abreviativo e, depois, da terminação, geralmente em expoente, mas hoje também no mesmo tamanho que a parte inicial da forma. Por exemplo, professora tem a abreviatura prof.ª, com ponto abreviativo e a vogal final da palavra em expoente; sendo assim, At.teou At.te – é uma forma coerente com o procedimento descrito.

Consulte o que se escreve a dado passo na página dedicada às reduções no portal da Academia Brasileira de Letras:

«a) reduções tradicionais mais ou menos fixas (V., por você, V.M., por Vossa Mercê, Sr., por Senhor), chamadas abreviaturas».

 

1 Também se emprega Atentamente, cuja abreviatura se confunde com a de Atenciosamente.

Pergunta:

A Gramática Metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, no §43 do cap. 3 (Vogais), fala acerca do timbre das vogais, que podem ser abertas (á, é, ó), ou fechadas (ê, ô).

Notou a falta do "a"? Pois bem, nas observações, Napoleão explica que o a fechado (â) é estranho ao português falado no Brasil, não se admitindo a pronúncia "mâs" para "mas" nem "câda" para "cada" no português brasileiro.

Não obstante, ele menciona o a antes de consoantes nasais (inclusive citando exemplos com acento circunflexo, como câmara), e o chama "abafado" (entre aspas mesmo, parecendo não pretender que tomem por classificação oficial, e sim como descrição). Já em sua tabela, chama nasal o "ã" e o "a" antes de n (ando).

Minha pergunta é: a vogal a, antes de n e m, no português brasileiro, é considerada fechada ou nasal?

Obrigada.

Resposta:

O uso terminológico abafado só é válido como recurso descritivo e didático do gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998).

Na perspetiva deste autor, o a é "abafado" antes de m ou n seguidos de vogal (intervocálicos): fama, Ana. Trata-se da vogal que, em Portugal, sem grande rigor, se chama «a fechado», mas que nos estudos de fonologia e fonética se classifica como «vogal média recuada», mesmo em âmbitos não universitários (cf. Dicionário Terminológico)

A vogal em apreço torna-se nasal, se ocorrer antes de m ou n seguidos de consoante: ambos, manda. Este fenómeno ocorre tanto no Brasil como em Portugal ou outro país de língua portuguesa.