Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
Os anglicismos dos ciberataques
A propósito do ataque informático ao grupo Impresa

Em entrevista feita pelo jornal Público, em 8 de janeiro de 2022, a Rui Duro, gestor da empresa de cibersegurança Check Point Software, nota-se uma profusão de termos técnicos em inglês que os mais ciosos do vernáculo desejarão evitar.

Apresenta-se de seguida uma lista dessas palavras com comentários sobre contextos e significados destas palavras, com a indicação de equivalentes portugueses possíveis ou já com uso efetivo e estável.

Pergunta:

Antes de mais o meu grato reconhecimento ao vosso site.

A minha questão é: como devo escrever "Al Andaluz"?

Com z final ou com s? Com hífen ou sem hífen? Ou ambos os casos são aceites?

Obrigado e bem hajam.

Resposta:

Não temos uma resposta categórica sobre o assunto.

A forma deste nome ainda não estabilizou e, portanto, há várias possibilidades1, entre elas, Al-Andalus e Al Andalus.

Também se aceita Andaluz, que do ponto de vista filológico tem ampla justificação2, apesar da desvantagem de se confundir com o gentílico correspondente à atual Andaluzia, ou seja, andaluz.

A forma escolhida é a forma que se deve manter ao longo de um mesmo documento.

 

1 O elemento al, que representa o artigo árabe, pode também ocorrer com letra minúscula inicial: al-Andalus e al Andalus. A forma al-Andalus é frequente em estudos académicos em diferentes línguas, designadamente em francês, por exemplo, nos estudos de Pierre Guichard,  Christophe Picard e Cyrille Aillet. Em Espanha, vários investigadores entre os quais se destaca o arabista espanhol Federico Corriente escrevem Alandalus, porque consideram que esta «[...] reproduce exactamente la pronunciación que usaban sus nativos, en lugar de Al-Ándalus, mero cultismo contemporáneo, no exento de pedantería [...]» (F. Corriente, Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberromance, Madrd, Editoria...

Pergunta:

Já foi perguntado se se deve escrever «o dever haver» ou «o deve haver». No entanto, encontro dicionarizado «deve-haver» (dicionário da Porto Editora) e sempre ouvi «o deve e o haver».

Qual a formulação (ou formulações) correta(s)?

Obrigado.

Resposta:

As expressões corretas são deve-haver e «deve e haver» (ou «o deve e o haver», com artigo definido).

dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) regista deve-haver como o mesmo que «o deve e o haver» ou «o débito e o crédito». A palavra composta tem registo, pelo menos, desde 1940, quando a ACL publicou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, antes, portanto, do Acordo Ortográfico de 1945.

Refira-se ainda que, separadamente, deve e haver, que são em geral formas verbais, têm também registo como nomes comuns:

deve: no âmbito da contabilidade, «débito ou despesa (de uma firma) escriturada no livro razão» e «coluna desse livro na qual são registradas as despesas»; e, no campo lúdico, «modalidade do jogo de pião (praticada em Trá-os-Montes)» (Dicionário Houaiss).

haver: «a parte de uma conta ou de uma escrituração comercial que indica o que se tem a receber; crédito» (ibidem).

Pergunta:

Numa resposta anterior sobre «partilhar e compartilhar», apresenta-se um exemplo que tem justamente que ver com a minha dúvida:

«Homens e mulheres, apesar de diferentes, partilham da mesma essência.»

A minha dúvida prende-se com o «da»: porque não «partilham a mesma essência»?

Obrigado.

Resposta:

Diz-se e escreve-se corretamente «partilham a mesma essência» e «partilham da mesma essência». O verbo partilhar pode ocorrer como verbo transitivo, isto é, como verbo que seleciona complemento direto, mas também se usa como verbo transitivo indireto, com regência construída pela preposição de. O significado de um uso é muito próximo do do outro.

A consulta do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa parece detetar uma pequena diferença semântica ente «partilhar de alguma coisa», muito próximo de participar, e «partilhar alguma coisa», equivalente a dividir («alguma coisa»). Sendo assim, «partilhar da mesma essência» é «participar da mesma essência», enquanto «partilhar a mesma essência» se interpreta como «dividem entre si a mesma essência». Este contraste é de algum modo confirmado pelo dicionário Priberam, pelo Michaelis e pelo Aulete. Contudo, dicionários de verbos como o de Francisco Fernandes, o de Celso Pedro Luft e o de Malaca Casteleiro levam a concluir que a diferença de significado é negligenciável1. O dicionário da 

Pergunta:

Gostaria de saber se meu sobrenome «De Moura Telles» é composto e quando / onde se originou.

Obrigada.

Resposta:

Para a elaboração desta resposta, não foi possível encontrar fontes impressas que confirmem inequivocamente «de Moura Teles» (ou «Moura Telles», com grafia anterior às ortografias surgidas a partir de 2011) como um apelido (sobrenome) composto.

Contudo, uma pesquisa no portal Geneall (pago) permite identificar linhagens com associação de apelidos «(de) Moura Teles/Telles». Daqui não se infere que todos os casos de associação destes dois apelidos possam não corresponder a portadores aparentados com indivíduos que só têm um dos apelidos (Moura ou Teles). Pode também acontecer que noutras pessoas se identifique a associação de apelidos Moura Teles, sem haver uma relação direta com outras pessoas cujas famílias usam tal associação há gerações.

Em Portugal, em relação aos chamados apelidos compostos, as páginas do Instituto dos Registos e do Notariado  preveem que os apelidos possam ser constituídos por «vocábulos gramaticais compostos», os quais se definem como «[...] um vocábulo constituído por dois ou mais vocábulos simples que possui um significado autónomo, muitas vezes dissociado dos significados dos seus componentes». Mesmo assim, deve assinalar-se que um apelido composto não decorre necessariamente da associação de dois1 apelidos simples.

Com efeito, como assinala o filólogo Ivo Castro2, um apelido pode ser constituído por um nome composto – por exemplo, Castelo-Branco, São-Paio, Todo-Bom, respetivamente, com origem num topónimo (Castelo Branco), num nome de santo (São Paio, ou seja, um hagiónimo) ou numa alcunha («todo bom»). Contudo, para o mesmo autor, da junção de dois apelidos não resulta um ap...