Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de conhecer a origem da expressão «Correr Ceca e Meca». Meca terá a ver com a cidade santa muçulmana? E de onde virá «ceca»? E porquê o significado de «andar de um lado para outro»?

Obrigada.

Resposta:

Não há certezas acerca da expressão, que é também bastante usada em Espanha.

Uma das explicações tradicionais pretende que Ceca (em português, também se regista Seca1) «era a designação popular da mesquita de Córdova», conforme comenta Sérgio Luís de Carvalho, em Nas Bocas do Mundo (Lisboa, Planeta Manuscrito, 2010, pág.97/98), onde acrescenta:

«[...] correr Ceca e Meca remete para as antigas peregrinações hispano-muçulmanas que se faziam entre a principal cidade santa do Islão e a capital muçulmana da Ibéria. Saliente-se que, de entre todas as antigas cidades islâmicas que tinham mesquita, Córdova era a mais distante de Meca.[...]»

Note-se, porém, que ceca é um termo de origem árabe que significa «casa onde se cunha moeda», e não «mesquita»1. Vem, portanto, a propósito citar F. Corriente, que, no seu Diccionario de Arabismos (Madrid, Editorial Gredos, 2003), observa o seguinte (desenvolveram-se as abreviaturas usadas na fonte consultada):

«Ceca (castelhano y gallego) y seca (catalão) 'casa de moneda' y (portugués, sólo en la expresión Ceca e Meca, similar a la castellana de la Ceca a la Meca o de Ceca en Meca y gallego da Ceca para ...

Pergunta:

Deve dizer-se/escrever-se «chamar alguém de parte», «chamar alguém à parte», ou ambas as formulações estão corretas?

Obrigado.

Resposta:

Parece que a expressão com mais tradição é «chamar alguém de parte», mas não se poderá dizer que «chamar alguém à parte» esteja incorreto.

O Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Lingua Portuguesa (Livraria Chardron/Lello e Irmão Editores), de Énio Ramalho, regista apenas «chamar de parte», atestando-a com as seguintes abonações:

1 – «[O] Quim chamou-me de parte e disse-me que o pai estava mal e que me queria ver» [a fonte parafraseia a frase assim: «afastou-se do meio dos outros, disse que me queria falar em particular, etc.»].

2 – «[H]oras depois chamou de parte o oficial e falou-lhe em voz baixa.»

Observe-se, porém, que o dicionário da Academia das Ciências, no artigo correspondente à entrada chamar, regista como subentrada «chamar de/à parte», expressão que define como «isolar-se de um grupo, na companhia de uma pessoa, geralmente para falar de um assunto confidencial ou secreto», assim aceitando que a expressão possa incluir quer de quer à. Todavia, a abonação que o dicionário em apreço apresenta refere-se apenas a «chamar de parte»:

3 – «Homens descalços, os mais chegados à casa, chamavam papá de parte e quase lhe suplicavam que mandasse vir o doutor» (João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas, citado pelo dicionário da ACL).

Refira-se ainda que os Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português (Lisboa, João Sá da Costa Editores, 1988) consignam a expressão «tomar alguém à parte», no sentido de «conduzir uma pessoa para lugar isolado a fim de conversar em segredo», a qual, não determinando a opção por de, permite considerar que a expressão adverbial em causa pode também ocorrer com a p...

Pergunta:

Deve dizer-se «a pessoa ajoelhou», ou «a pessoa ajoelhou-se»? Trata-se de uma dúvida que nunca vi respondida e muito menos explicada por ninguém.

Obrigado.

Resposta:

Geralmente, no português de Portugal, usa-se ajoelhar como verbo reflexo não causativo (ajoelhar-se) ou causativo («alguém ajoelhar alguém» = alguém pôr alguém de joelhos»). Contudo, os dicionários elaborados em Portugal ou os que têm como referência a norma linguística de Portugal não deixam de conter atestações do uso não causativo:

1 – «Custódio ajoelhou no chão, pousou a cabeça sobre a cama, e começou a produzir pequenos gemidos de intolerável mágoa» [Agustina Bessa-Luís, A Sibila, citada em ajoelhar, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001].

2 – «Maria ajoelhou atrás dele, que semelhava continuar indiferente à sua súplica» [Urbano Tavares Rodrigues, Vida Perigosa, Amadora, Livraria Bertrand, 1974, citado em ajoelhar, Dicionário Sintático de Verbos Portugueses, dir. Wienfried Busse, Coimbra, Almedina, 1994].

Refira-se, porém, que o uso do pronome -se se regista como opcional em dois dicionários brasileiros – Dicionário Houaiss (2001) e Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2004) –, o que sugere que, no português do Brasil, a ocorrência de ajoelhar sem o referido pronome está mais presente na descrição da língua do que em Portugal. De qualquer modo, registe-se o que, na perspetiva brasileira, diz Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editorial UNESP, 2004, p. 51)1 : «Usa-se indiferentemente a forma simples ou a forma pronominal do verbo. AJOELHOU na hortelã-do-campo. Queria rezar. ♦ (COB) AJOELHOU-SE, os olhos tristes, segurou a mão de Emíl...

Pergunta:

Escrevo-vos no sentido de esclarecer a classificação do advérbio efetivamente, uma vez que tenho encontrado diferentes opiniões relativamente ao seu enquadramento nas diversas gramáticas.

Devo concluir, portanto, que o mesmo pode ser classificado como de frase, afirmação ou conectivo?

Consideremos o seguinte exemplo, retirado de um caderno de exercícios: «Realmente fui muito feliz naquele lugar. Efetivamente, não me lembro de mais nenhum espaço que me faça sorrir e ter esperanças como aquele.» Como se classifica, neste contexto, o advérbio e porquê?

Agradeço, desde já, a enormíssima ajuda que o Ciberdúvidas tem dado àqueles que se preocupam e estudam a língua portuguesa. 

Resposta:

No contexto em questão, efetivamente pode ser classificado quer como advérbio conectivo, quer como advérbio de frase, tendo em conta o Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar o ensino da gramática nas escolas básicas e secundárias de Portugal*.

Como advérbio conectivo, é equivalente a «de facto» e, portanto, tem a função de confirmar o conteúdo da frase ou das frases precedentes. Por outro lado, ao conferir à frase em que ocorre uma função confirmativa, é um advérbio de frase; também o é, se o interpretamos como o mesmo que realmente, e, nesse caso, o advérbo dá ênfase a toda a frase, permitindo esta perspetiva a mesma classificação.

Quanto a tratar-se um advérbio de afirmação, é certo que as gramáticas escolares recentes assim o classificam. Aceitando este ponto de vista, e tendo em conta a definição que o Dicionário Terminológico dá a «advérbio de afirmação» – «advérbio utilizado em respostas a interrogativas totais ou como modificador de um constituinte cujo significado contribui para asserir ou reforçar o valor afirmativo de um enunciado» –, poderíamos dizer que efetivamente acumula também a função afirmativa. Contudo, é preciso notar que há linguistas que não incluem efetivamente entre os advérbios de afirmação; é o caso de João Costa, em O Advérbio em Português Europeu (Lisboa, Colibri, 2008, pág. 73/74).

Em suma, e pensando no contexto do ensino não universitário, a formulação de uma questão sobre a classificação de efetivamente supõe sempre deixar claro em que contexto – textual ou frásico – se pretende classificar este advérbio.

* Record...

Pergunta:

É correto dizer-se «debruçar-se na varanda»?

Resposta:

É correto dizer-se «debruçar-se na varanda», como simplificação de «debruçar-se sobre o parapeito da varanda». Este uso está atestado no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, no verbete correspondente a debruçar-se: «D. Mariquinhas debruçou-se o mais que pôde na varanda a ponto de deixar cair o xaile» (A. Victorino d'Almeida, História de Lamento, in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa).