Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Ideias.

Resposta:

É bem provável que Ideias, como apelido, tenha origem numa alcunha (no Brasil, apelido). Pode acontecer que uma pessoa seja conhecida numa aldeia ou num bairro por «o/a Ideias», porque, por exemplo, se evidencia por ser criativa ou por ter uma imaginação fértil («está sempre com ideias» = com inventos ou invenções).

Esta parece ser a hipótese de José Pedro Machado, que, no seu Dicionário Onomástico Etimológico (2003), regista Ideias como apelido com origem numa antiga alcunha, acrescentando: «Geralmente a palavra ideias aplica-se a pessoas em sentido depreciativo.» No tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva, também se dá entrada a Ideias, forma usada como alcunha no Alentejo, região portuguesa onde este tipo de nomes está particularmente arreigado:

«Ideias [...] Denominação aplicada a um homem que é muito mentiroso (Mértola); alcunha atribuída a um indivíduo que tem muitas ideias (Aljustrel e Sousel); o visado é eletricista e um engenhocas por gosto, mas nunca faz nada como as pessoas lhe explicam. Limita-se a dizer: "Como? Como? tenho um ideia!" (Portalegre); indivíduo que tem ideias consideradas malucas (Estremoz). Existe também em Serpa.»

É, portanto, plausível que, da alcunha, se tenha criado o apelido – e não será de admirar que, em muitos casos, a origem seja alentejana.

Pergunta:

"Re-romanização" ou "rerromanização"?

Resposta:

Deve escrever-se rerromanização.

O prefixo re- liga-se sempre sem hífen à palavra a que se associa. Se a palavra prefixada começar por:

a) r ou s, dobram-se estas consoantes: re + ratificar -> rerratificar; re + surgir -> ressurgir;

b) h, suprime-se esta letra e junta-se o prefixo à vohgal da palavra prefixada: re + hidratar -> reidratar; re + habituar -> reabituar; re + haver -> reaver;

c) e, mantêm-se os dois ee, o do prefixo e o que está no início da palavra prefixada: re + estruturar -> reestruturar; re + estudar -> reestudar; re + erguer -> reerguer.

Estas regras não foram alteradas pelo novo Acordo Ortográfico.

Pergunta:

A palavra GIF (referente ao formato de imagem .gif ) é do género masculino ou feminino?

Obrigado.

Resposta:

Tendo em conta que se trata de formatos de imagem digital, depreende-se que se usa no masculino, porque a palavra formato é desse género: «o GIF», «o JPEG», «o PNG». Note, no entanto, que estas siglas do inglês, embora usadas em português, ainda não têm um uso gramatical estabilizado em português.

Mesmo assim, cabe observar que a lista Abreviaturas e Siglas da Porto Editora (disponível na Infopédia) regista duas das referidas siglas inglesas, sem, no entanto, lhes atribuir género: GIF, «sigla de graphic interchange format; formato para armazenar ficheiros de imagem»1 ; JPEG, «sigla de joint photographic experts group; formato de armazenamento de imagens»2 . Quanto a PNG, refira-se que é a sigla de «portable network images»3 , conforme se explica nesta página (sítio InfoWester).

1 Graphic interchange format = «formato para intercâmbio de gráficos» (tradução proposta em artigo da Wikipédia, consultado em 24/09/2015).

2 Joint photographic experts group = literalmente, «Grupo Conjunto de Especialistas em Fotografia]», de acordo com uma das propostas de tradução registadas no portal

Pergunta:

Ouvi recentemente alguém chamar "pombeiro" a um pombal. Mas alguns dicionários que consultei apresentam estas palavras como tendo significados muito diferentes. Surgiu-me, portanto, a seguinte dúvida: pode-se, em algum caso, atribuir a designação "pombeiro" a um pombal?

Resposta:

Nos dicionários gerais e especializados a que temos acesso, não se regista pombeiro como sinónimo de pombal. No entanto, em galego, regista-se pombeiro como uma variante de pombal (que tem o mesmo sentido que a palavra portuguesa correspondente) ou como designação de um subtipo de pombal. Note ainda que, na toponímia, se acha a forma Pombeiro, tanto em Portugal como na Galiza, a qual é plausivelmente o mesmo que «lugar onde existem pombos». Seja como for, não sendo de excluir que pombeiro, na aceção de «pombal», ocorra dialetalmente em Portugal, a verdade é que não se atesta tal uso nas fontes que consultámos.

Diga-se que a forma pombeiro, em português, se encontra dicionarizada com outros significados, conforme define, por exemplo, Dicionário Houaiss: «substantivo masculino 1 Regionalismo: Brasil.vendedor ambulante de pombos, aves de capoeira etc. 2 Rubrica: angiospermas. m.q. baga-de-tucano (Citharexylum myrianthum) n adjetivo e substantivo masculino (1899) Rubrica: agricultura. 3 diz-se de ou variedade de milho branco.»

Também pode ser um homónimo do vocábulo a que se faz referência, nada tendo que ver historicamente com a palavra pombo, segundo a mesma fonte: «substantivo masculino Rubrica: história. Regionalismo: Brasil. 1 comerciante ou preposto seu que se embrenhava pelo interior da África a fim de trazer informações para os traficantes ou para negociar pessoalmente escravos 2 [...] vendedor ambulante que comerciava pelo sertão do Brasil com os indígenas 3 indivíduo que se embrenhava pelo interior do Brasil na pista de criminosos, trabalhando como informante da força pública; 3.1 olheiro da polícia. [...] Etimologia: orig[em] c...

Pergunta:

"É-mo" e "Foi-mo" são corretos, se o o em mo representar um adjetivo? Eu sei que são corretos se o o representar um substantivo, mas tenho dúvida se pode de igual modo representar um adjetivo. Exemplos: «A aula é difícil para ti? – É-mo, sim!» (= «É-me difícil, sim!»); «A aula foi difícil para ti? – Foi-mo, e de que maneira!» (= «Foi-me difícil, e de que maneira!»).

Resposta:

Teoricamente pode prever-se a ocorrência das contrações de pronomes mo e to no contexto em questão. Além disso, não parece existir doutrina normativa que as condene quando o pronome o que elas encerram retoma um predicativo do sujeito. Contudo, não se pode dizer que, nessa situação, se usem ou até que estejam corretas.

É preciso observar que o nesse tipo de contexto se comporta como um demonstrativo equivalente a isso e remete para elementos do enunciado – como o complemento direto  – que pode ser uma oração, como em 1 –  ou o predicativo do sujeito, à semelhança de 2:

1. «O João afirma que há extraterrestres, e o Gustavo também o diz.»

2. «O João é um extraterrestre, e o Gustavo também o é.»

No entanto, quando se trata de retomar um predicativo do sujeito, como acontece em 2, e associar os pronomes pessoais de complemento indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) ao pronome em apreço, a verdade é que, intuitivamente, achamos que tal contração tem alguma dificuldade em ser aceite, sobretudo se envolver o pronome de 2.ª pessoa do singular:

3. – Achas que me foi difícil partir?

– Acho que sim, ?foi-to.

Observa-se, assim, que "foi-to" é um uso muito pouco habitual, se não mesmo estranho. As referidas contrações com o demonstrativo são, portanto, problemáticas quando este pronome é um predicativo do sujeito, e afiguram-se arredadas do uso, sendo, p...