Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Desejava saber a tradução em português do termo «sea spray» fenómeno natural em que gotículas se desprendem das ondas do mar e são transportadas pela acção do vento? A Wikipedia remete-nos para os termos maresia, ressalga e/ou «rocio do mar» essas definições parecem-me pouco rigorosas...

Agradeço desde já o vosso parecer e esclarecimento.

Resposta:

Não conhecemos palavras ou expressões que sejam exatamente equivalentes à expressão mencionada. Literalmente, «sea spray» é «água do mar pulverizada» ou «água do mar vaporizada». No entanto, o Oxford Portuguese Dictionary, traduz spray por salpico e borrifo, em referência à água em geral; quando se trata do mar, a mesma fonte regista «borrifo de espuma» (depreende-se «do mar»). Sendo assim, parece-nos que uma solução possível é empregar salpicos ou borrifos, depreendendo-se contextualmente «de água do mar», tendo as palavras por referente essas gotas ou esse efeito de pulverização ou de vaporização da água do mar. Outra possibilidade, é o uso de espuma, embora esta palavra remeta para um efeito produzido em meio líquido e não evoque a dispersão no ar associada a spray. Há quem proponha maresia, mas este termo refere-se apenas ao cheiro que se desprende quando a maré está baixa.

Pergunta:

Como traduzir o termo dedifferentiation («the loss of specialization in form or function»)*?

Obrigada.

* A perda da especialização formal ou funcional.

Resposta:

Apesar de não se encontrar nos dicionários gerais, estão de acordo com os modelos de boa formação de palavras os vocábulos derivados desdiferenciar e desdiferenciação, que, aliás, já ocorrem em artigos especializados, como atestam as seguintes ocorrências num artigo do especialista em biotecnologia Pedro Fevereiro (Reprogramação: o 'Eldorado' da medicina regenerativa?), publicado no portal da Ordem dos Biólogos:

«(i) Encontram-se em estudo três possíveis vias para a indução da reprogramação nuclear: [...] 3) a aplicação de extractos de ovócitos, células estaminais ou outras para desdiferenciar as células somáticas.»

«(ii) Em alguns vertebrados, como as salamandras, células estaminais novas são criadas através de um processo de desdiferenciação, no qual as células já diferenciadas podem reverter o seu desenvolvimento e tornarem-se de novo pluripotentes.»

Pergunta:

Pontos nos "is", como sempre vejo escrito nos jornais (caso do Público de 18/08/2015, referindo-se a um post de António Costa no seu Facebook assim mesmo intitulado, a seguir ao debate com Pedro Passos Coelho na rádio), ou pontos nos  "ii", como apanhei num texto do Ciberdúvidas, mas sem qualquer esclarecimento deste tipo de plurais? E porquê, e onde posso documentar-me? Agradeço o esclarecimento (já agora extensível a plurais similares, que envolvam letras).

Resposta:

O nome da letra i é i, cujo plural se grafa is ou ii (de uma maneira ou de outra, a pronúncia é sempre "is"); portanto, deve escrever-se «pôr os pontos nos is» ou «pôr os pontos nos ii» (nunca "iis" – cf. artigo no blogue Linguagista).

Sobre a grafia do plural dos nomes das letras, cumpre fazer dois comentários :

1– A expressão idiomática em questão poderá ter como formas «pôr os pontos nos is» e «ter os pontos nos ii» (no sentido de «esclarecer bem as coisas». Porém, parece que na escrita se generalizou a forma com ii – «pontos nos ii» –, como confirma a consulta de diferentes dicionários, em que o respetivo registo é sempre feito com a forma de plural ii, conforme se apresenta adiante:

– Nos dicionários gerais, como subentrada de ponto: Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (na Infopédia, consultada em 19/09/2015): «pôr os pontos nos ii 1. falar ou expor sem subterfúgios; 2. pôr tudo em pratos limpos»; Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (consultado em 19/09/2015): «pôr os pontos nos ii • Dizer as coisas claramente, sem reticências. = CLARIFICAR, ESCLARECER».

– Nos dicionários de expressões idiomáticas, com entrada própria: Énio Ramalho,

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação a acentuação da palavra "versus". Segundo o dicionário, a palavra não possui acento. Contudo por ser uma palavra paroxítona terminada em "us", a ainda não ferir a nenhuma exceção das novas regras de acentuação, "versus" não deveria ter acento como se segue: "vérsus"?

Resposta:

A palavra é latina e, como tal, usa-se em itálico. Por essa razão não tem de seguir a ortografia do português e deve escrever-se versus.

Pergunta:

Gostava de pedir a vossa opinião sobre a omissão do pronome pessoal vós, e daí a segunda pessoa do plural dos verbos, em livros gramaticais da língua portuguesa. Dado que em partes de Portugal esta pessoa do verbo é ainda muito usada, qual será a razão porque alguns autores insistem em excluir parte do povo português, das regras da nossa língua.

Resposta:

As gramáticas de referência  – por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984; Eduadro B. Piava Raposo e outros, Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 897 – incluem quer o pronome vós quer as formas correspondentes da flexão verbal. Não se verifica, portanto, a exclusão de tais formas da descrição linguística nem da exposição das regras gramaticais.

O que parece estar em causa é, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, tais obras anotarem que vós não é usado na norma-padrão do português, subsistindo porém no uso dos falares portugueses sobretudo do interior norte e centro. Este aspeto decorre do facto de a norma-padrão ser baseada nos falares urbanos e cultos  de Lisboa e Coimbra (hoje, cada vez vez mais Lisboa e grande parte do litoral, e talvez menos Coimbra), nos quais não ocorre vós (a não ser em certos registos, como no discurso de caráter religioso: «Pai nosso, que estais no céu...», como se diz na versão portuguesa do Padre-Nosso). Esta é a modalidade linguística da administração; no ensino, no contexto do português como língua estrangeira, é também a forma que costuma ser transmitida, o que não impede que os professores possam trabalhar tal uso com os seus alunos. Em Portugal, tem toda a legitimidade manter-se no ensino tais formas, sobretudo entre alunos que tenham um falar regional em que perdurem  vós e a respetiva flexão.