Pergunta:
A respeito das perguntas Os ditongos 'ou' e 'oi' e Ouro e oiro, ser-vos-ia possível aprofundarem (há fontes?) essa «pronúncia particular dos judeus»? Neste contexto, que validade científica têm as palavras do gramático:
«Em quanto á substituição de i por u; v. g. em dois, oiro, por dous, ouro, ou coisa, loiro, por cousa, louro, não ha razão para preferir o u, visto ser o i conforme á pronunciação moderna, e existir no latim a substituição inversa, sendo constante que os antigos Romanos escrevião optumus, maxumus, antes de terem escripto optimus, maximus. Alem do que, muitas das palavras que os nossos antigos escrevião por ou, e que hoje se pronuncião geralmente oi, já estão mui torcidas dos radicaes latinos; v. g. ouro de aurum, louro de laurus, dous de duo.
Cousa não deriva immediatamente do latim. He pois licito escrever cousa ou coisa, dous ou dois, etc. Em muitas palavras oi corresponde melhor ao radical latino; v. g. coiro de corium, por transposição de letras.»
Francisco Solano Constancio (1831), Grammatica analytica da lingua portugueza, pp. 237-238.
Resposta:
A troca de ou por oi – ou, por outra, em transcrição fonética, a troca de [ow] por [oj] – tem sido efetivamente atribuída à influência do falar da antiga comunidade judaica em Portugal. Por exemplo, é um dos traços mais característicos das personagens que representam os Judeus nas peças do dramaturgo português Gil Vicente (c. 1465-c. 1536). Contudo, Paul Teyssier, em A Língua de Gil Vicente (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, págs. 235-268), registando embora essa permuta como traço caracterizador dos Judeus, enquanto personagens do teatro vicentino, considera que não foi este grupo o difusor dessa inovação fonética (mantém-se a grafia da obra consultada):
«O "oi dos Judeus" é [...] a primeira manifestação de uma tendência muito geral que se encontra em seguida em alguns falares regionais e, em menor grau, na própria língua comum. Esta tendência geral é, por seu lado, um caso particular de um fenómeno fonético ainda mais geral que consiste em transformar os ditongos com -u em ditongos com -i, cf. multu- > muito. [...] [O] fenómeno ou > oi de que os Judeus nos fornecem o mais antigo testemunho é mais poderoso e geral. Trata-se de uma verdadeira vaga de fundo que, a pouco e pouco, vai alcançar toda a língua. Sob o ponto de vista fonético, ou > oi [...] é uma diferenciação. No ditongo ou, o elemento vocálico inicial e o elemento vocálico final estão extremamente próximos um do outro e tendem portanto a aproximar-se ainda mais por assimilação e a fundir-se numa vogal única (o fechado). Hoje, é este o ponto de chegada normal de ou, em toda a metade sul de Portugal e no Brasil. A diferenciação ou > oi é um modo de lutar contra esta tendência, um modo de salvar o ditongo. Consiste, de facto, em s...