Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No Ceará existe uma localidade cuja denominação é Arneiroz. Sei que em Portugal há um lugar chamado Arneirós. Minha dúvida consiste na maneira como se grafa o topônimo aqui no Brasil. Justifica-se o uso do zê em vez do esse?

Muito grato.

Resposta:

Se é verdade que Arneiroz é a transposição do topónimo português Arneirós , então o topónimo brasileiro deveria apresentar a mesma grafia que o topónimo português, porque se trata de nome próprio derivado do latim *ARENARIOLAS (diminutivo de ARENARIA, «areeiro»; o * indica que é forma não atestada), étimo que exibe um s final que a ortografia do português conserva (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Infopédia e portal da Câmara Municipal de Lamego). No entanto, é sabido que no Brasil se tem adotado um critério – enunciado no antigo Formulário Ortográfico de 1943 – que permite que certas grafias se mantenham quando têm tradição. É o caso de Bahia e muito provavelmente do topónimo em questão, Arneiroz. Trata-se, portanto, de um topónimo cuja grafia parece requerer o parecer das entidades que, no Brasil, intervêm em matéria de normalização linguística.

 

Pergunta:

Existe a expressão «troca por troca»? O que significa?

Resposta:

A expressão «troca por troca» está dicionarizada. Por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista-a como expressão idiomática, a que atribui o seguinte significado: «permuta de uma coisa por outra sem dar lugar a receber alguma quantia; ela por ela». A mesma fonte abona o seu uso com a seguinte frase: «Não compraram nem venderam nada, foi tudo troca por troca.»

Pergunta:

Escrevo-lhes porque tenho uma dúvida relacionada com o plural de pequeno-burguês. É "pequeno-burgueses" ou "pequenos-burgueses"?

Agradeço-lhes antecipadamente a sua resposta.

Resposta:

O plural de pequeno-burguês é pequeno-burgueses, conforme se pode confirmar em várias fontes dicionarísticas (dicionário e vocabulário ortográfico da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua PortuguesaVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, ). Esta palavra composta, usada quer como adjetivo quer como substantivo, distingue-se por uma anomalia quando usada como substantivo: ao contrário do que se verifica em geral (cf. pequeno-almoços, pequenos-almoços), o constituinte adjetival (pequeno) não concorda com o constituinte nominal (burguês) e, por isso, se diz «os pequeno-burgueses».

Pergunta:

Qual a diferença entre troço e trecho (por ex., «trecho de rio» ou «troço de rio»)?

Resposta:

No português corrente, e em relação à realidade em questão, pode dizer-se/escrever-se «trecho do rio» ou «troço do rio», como se atesta a seguir (manteve-se a ortografia original):

1 – «Duas grandes janelas por onde se perspectiva a Baixa e um largo trecho do rio» (Manuel Teixeira-Gomes, Gente Singular 1909, in Corpus do Português de Mike Davies e Michael Ferreira).

2 – «[...] o actual estado do troço da margem esquerda do Douro proporciona um impacte visual negativo [...]» (in Linguateca).

Note-se, porém, que trecho pode ser usado em relação a parte de um livro, possibilidade que está vedada a troço.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem se é correta a utilização do termo utência, no sentido de «contabilização» do número de utentes, por exemplo. Não encontro o significado da palavra em lado nenhum, mas a palavra surge em vários textos.

Muito obrigada.

Resposta:

Não encontro a palavra registada em dicionários gerais. Mas, como termo especializado, é correto no âmbito a que se refere, ou seja, só se aceita a respeito da contagem dos utentes de um certo equipamento:

«A utência ou utilização instantânea de um complexo desportivo é o número de utilizadores que estão num determinado momento nesse complexo desportivo» (definição disponível num documento da Direção Regional de Educação dos Açores).