Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Podem dizer-me se a palavra "eco-hidrologia" deve ser escrita com ou sem hífen?

Obrigada.

Resposta:

Ao abrigo do novo acordo ortográfico, a grafia correta da palavra em questão é efetivamente eco-hidrologia. Os radicais de origem grega e latina seguem o critério aplicado aos prefixos antes de um segundo elemento começado por h, ou seja, coloca-se um hífen e mantém-se o h do segundo constutuinte: por exemplo, anti-histamínico (cf. Vocabulário Ortográfico Comum.

Pergunta:

[Pode usar-se] algures, com a preposição para?

Se usasse alhures, em vez de algures, [a frase não teria] preposição: «... levar alguém alhures.» Isto porque alhures já em si significa «para outro lugar», do latim aliorsum.

Concordais?

Resposta:

É correto dizer-se «levar alguém para algures». 

Sobre algures, parece-me relevante transcrever o comentário que Vasco Botelho de Amaral, no seu Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958), dedica a este advérbio (mantenho a grafia original):

«Erro: "vi em algures". Correcto: vi algures, porque algures já por si quer dizer: em alguma parte. [...] Algures é ainda muito empregado. Noto, porém, o caso curioso de muita gente não reparar bem no significado deste advérbio. [...] Mas dirá agora algum Leitor que, assim como se antepõem outras preposições a algures (venho de algures, foi para algures), assim poderá empregar em algures. Todavia, convém que se repare que com onde se usam também preposições como de onde, para onde, etc., e, no entanto, onde dispensa o em, visto que todos dizemos onde, e não em onde [...].»

É, portanto, legítimo empregar as preposições depara com algures. Já menos claro se torna dizer «levar alguém a algures»; no entanto, considerando que se diz «levar alguém aonde ninguém foi», afigura-se aceitável uma sequência como «levar alguém a algures», embora, de forma intuitiva, considere que expressões como «levar alguém algures» ou «foi algures»  permitem a supressão da preposição a.

Quanto a alhures («noutro lugar»), usa-se efetivamente sem preposição quer com verbos estativos quer com com verbos de movimento:

1 – «Se não fossem eles, o...

Pergunta:

É possível ou correto conjugar o verbo ver como consta nas orações:

«vê-se-te saudável» ou «vê-se-te fraco!»

Desde já, agradeço.

 

Resposta:

Os usos que nos apresenta não ocorrem na língua portuguesa, porque o se é incompatível com o te que marca o objeto direto, como acontece nos exemplos em questão. Isto explica que também não se possa aceitar a seguinte sequência (o * indica frase incorreta):

1 – *Vê-se-o fraco/saudável.

Em lugar da construção com se, outras construções terão de ser empregadas:

2 – Veem-no fraco/saudável.

Sobre as restrições a construções como as exemplificads em 1, Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (2003, pág. 180), observa o seguinte:

«[...] A língua padrão rejeita combinação se o (e flexões) apesar de uns poucos exemplos na pena de literatos:

"Parece um rio quando se o vê escorrer mansamente por entre as terras próximas..." [LB.2, 49 apud SS. 6, n.º 198, 268].»

Pergunta:

Como se diz? «Creme "reafirmante"» ou «creme "refirmante"»?

Os dois termos são utilizados por diferentes marcas de cremes.

Resposta:

Tendo em conta que afirmar é declarar, parece-me mais adequada a forma refirmante, que pressupõe a formação de refirmar, como derivado de firmar, que pode ser usado nas aceções de «dar firmeza», «fixar-se», «apoiar-se». Se por «cremes refirmantes» se entendem os cremes que «[...] além de hidratarem a epiderme, ajudam a prevenir a perda de elasticidade dos tecidos» ("Silhuetas afinadas", Máxima, 27/03/2012), então refirmante salienta-se como opção adequada porque é interpretável como «(aquilo) que volta a dar firmeza»,  no sentido de «vitalidade, elasticidade».

Pergunta:

Qual o significado do nome fiada no conto "O Sésamo" (Novos Contos da Montanha) de Miguel Torga?

Exemplos: «A fiada estava apinhada naquela noite» e «A fiada acabou tarde...»

Resposta:

A palavra usada por Miguel Torga é típica de Trás-os-Montes e, segundo A. M. Pires Cabral (Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Âncora Editora, 2013), significa o seguinte:

«Operação de fiar o linho ou a lã. Grupo de pessoas que fiam; o m[esmo] q[ue] fiadeiro [...] "A fiada estava apinhada naquela noite" M. Torga, Novos Contos da Montanha.»

Como se vê, a abonação que a fonte consultada dá de fiada corresponde a uma das frases em questão.

Refira-se ainda que, de acordo com a mesma fonte, um fiadeiro é «o serão em que a principal ocupação é a fiação do linho» ou «local onde decorre este serão».