Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existindo as palavras confrade e confraria, por que razão não é reconhecida a palavra "confrádico", para designar o movimento das confrarias? É uma palavra muito em uso naquele mundo associativo, como: «saudações confrádicas» ou «movimento confrádico».

Obrigado pela atenção.

Resposta:

A forma confrádico não se encontra dicionarizada, mas não encontro razão para a rejeitar, porque é um adjetivo constituído de acordo com os padrões morfológicos do português. O dicionário da Porto Editora, na Infopédia, e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – elaborados em Portugal – não o acolhem, mas também não acho aí registado um adjetivo relacionado com confraria ou confrade. O Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira) também não o inclui, mas apresenta confraternal na aceção de «relativo a confrade» (os dicionários portugueses consultados não registam confraternal nesta aceção). Dado que confraternal pode associar-se a fraternal, considero, portanto, natural que se tenha criado espontaneamente a forma confrádico, que me parece aceitável.

Pergunta:

Relativamente à análise sintática da frase «Ana viu a sombra do anão», qual a função sintática do segmento «do anão»?

Resposta:

Apesar de sombra pressupor um corpo ou um volume que a projetem, não encontro referência a este substantivo no Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes, o que me leva a pensar que este caso não é de classificação inequívoca. Sugiro, mesmo assim, que sombra faz parte do chamado grupo dos nomes icónicos, formado por substantivos como quadro, descrição, desenho, retrato (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1064). Por isso, proponho que «do anão» seja um complemento do nome – mas trata-se de uma proposta aberta, suscetível de correção, caso algum consulente pretenda rebater com fundamento o que aqui exponho.

Pergunta:

Poderíeis informar o modo correto de escrever o adjetivo relativo ao substantivo «sumo sacerdote»: "sumossacerdotal", "sumo-sacerdotal" ou "sumo sacerdotal"? Eu creio que a primeira forma seria a correta: "sumossacerdotal". Neste caso, o plural seria "sumossacerdotais". Se não, como então seria?

Antecipadamente agradeço a vossa atenção.

Resposta:

A expressão «sumo sacerdote» não está registada como substantivo composto – se o estivesse, teria efetivamente a forma "sumo-sacerdote". Mas, atendendo a que existem adjetivos que são derivados de expressões nominais e que apresentam um hífen que não tem a expressão donde derivam (Cabo Verde > cabo-verdiano), parece-me legítimo escrever sumo-sacerdotal, cujo plural é sumo-sacerdotais.

Pergunta:

Há dias consultei o dicionário online da Priberam. A palavra do dia era horizontalismo [s. m.] e eram apresentados três significados, sendo que o terceiro, de carácter informal era «atividade de prostituta. = Meretrício».

Uma vez que nunca ouvi/li a palavra com este significado, indaguei junto de outras pessoas, portuguesas e brasileiras, se conheciam o termo com este significado, mas todos me disseram que não conheciam.

A questão que coloco é: qual a origem do termo com este significado informal indicado no referido dicionário.

Obrigada.

Resposta:

A palavra horizontalismo está registada na aceção em causa no Novo Dicionário de Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça, no qual se observa o seguinte: «Horizontalismo – Diz-se das prostitutas finas. ["(...) tratar por tu o alto horizontalismo do Largo de São Carlos (...), Fialho de Almeida, Vida Irónica].»

O termo é, portanto, sarcástico e eufemístico (dado a prostituição e atividade sexual serem tabus), mas atualmente parece não ter uso.

Pergunta:

Porque é que muitas vezes vejo escrito e ouço na televisão as palavras espectador e expectativa como se não tivessem c ou o c não se pronunciasse ?

Qual é a forma correta?

Resposta:

Desde há muito que há variação na pronúncia das palavras em apreço.

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940, associava, como marcas ortoépicas (isto é, relativas à boa pronúncia), as indicações «(èt...)» a espectáculo e expectativa, e «(èt... ô)» a espectaculoso e espectador; ou seja, as palavras grafavam-se com um c que era mudo, pois não se verificava a articulação da consoante correspondente (símbolo fonético [k]). Décadas mais tarde, Rebelo Gonçalves no seu Vocabuário da Língua Portuguesa (1966) regista as mesmas palavras com a indicação de que têm um [k] nas «condições das Bases Analíticas VI do Acordo Ortográfico de 1945, isto é, em casos «em que não é invariável o seu valor fonético e ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das referidas vogais: [...] espectáculo [...]».

Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, aceitam-se as duas pronúncias – com e sem [k] –, pelo que, atendendo ao reforço do critério fonético na nova ortografia,* as palavras podem escrever-se com ou sem c [mas sempre com e aberto na sílaba átona -pe(c)-]: espectador/espetador; expectativa/expetativa (ver