Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na zona centro do país, o verbo ir é regido pela preposição a – ex.: «vamos a ver se consigo finalizar a tarefa», ou «meninos, vamos a comer!» , em vez de «vamos ver se consigo...»  e «meninos, vamos comer!».

Está  correto?

Agradecia um esclarecimento.

Resposta:

A construção em apreço está correta, mas não é específica de um falar regional. Na verdade, pertence ao português em geral e não significa exatamente o mesmo que «ir» + infinitivo.

«Ir a» + infinitivo pode ter os seguintes valores:

a) «vamos a...»: usa-se «para incitar uma ação ou uma mudança de ação» (ver ir no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa); exemplos: «vamos ao que interessa», «vamos a isso», «vamos ao trabalho» – e podemos aqui juntar o uso com infinitivo, ou seja, «vamos a ver»;

b) «ia a» + infinitivo: «a criança ia a dormir ao colo da mãe».

O uso descrito em b), com o verbo no pretérito imperfeito do indicativo, é também referido no Dicionário de Verbos e Regimes (1947), do gramático brasileiro Francisco Fernandes, que observa: «Às vezes costuma-se introduzir a preposição a entre o verbo ir e o infinitivo: "Ia a sair, quando lhe lembrou a morte e pediu ao Florindo que lhe escrevesse duas linhas".»

Pergunta:

Como devemos escrever em português o nome dos mercados cobertos tipicamente árabes: "souk", "souq", ou "suque"? E como pluralizar a palavra?

[...] [E]ncontrei no dicionário da Porto Editora o substantivo soco, com a seguinte definição: «Moçambique: mercado; feira; centro comercial», e com etimologia apontada ao suaíli soko. Será possível que estejam relacionados?

Um muito obrigado.

Resposta:

Tendo em conta a forma francesa souk e as inglesas souk, suk, sukh e suq, todas elas grafias estranhas ao português, pode criar-se suque, cujo plural será suques. Quanto a soco (homónima de soco, «murro»), confirmo que a palavra se regista como o mesmo que «mercado; feira; centro comercial», em relação ao português de Moçambique. Deve, porém, ficar a ressalva de que as formas portuguesas aqui mencionadas ou são neológicas ou têm uso apenas numa variedade do português, sem tradição lexicográfica noutras variedades. O que aqui se apresenta são, portanto, formas legítimas sem uso efetivo que as enraíze de algum modo na língua.

É também de sublinhar que, em português, o árabe suq deu origem a açougue, cuja evolução semântica lhe impede a possibilidade de servir como equivalente das formas estrangeiras já mencionadas: açougue significa hoje «estabelecimento onde se vende carne», e, sendo assim, a palavra é usada no Brasil como o mesmo que talho.

Pergunta:

Uma vez que a palavra pixel entrou já no vocabulário português por via da informática e da digitalização e electrónica, é legítimo criar a palavra "pixelar" como verbo e conjugá-lo pelo menos nalgumas pessoas e no infinitivo – a acção de transformar em píxeis?

Resposta:

É possivel formar o verbo que se refere na pergunta, mas os dicionários já registam pixelizar, o que, por se tratar de forma legítima, dá primazia sobre pixelar.

O dicionário da Porto Editora regista pixelizar, que poderia ser sinónimo, mas que o dicionário define de outro modo: «tornar difícil perceber (parte de uma imagem), ampliando-a muito de forma a causar a sua distorção.» O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa também regista pixelizar e pixelização, atribuindo a este substantivo a seguinte aceção: «Visualização de quadrados numa imagem digital, para criar determinado efeito visual ou por causa de um aumento excessivo da imagem relativamente à sua resolução.» Dir-se-ia, portanto, que o Dicionário Priberam legitima pixelizar como o verbo que a consulente procura. Refira-se que pixelar pode eventualmente ocorrer em português por influência do espanhol, língua em que também existe forma verbal igual, pixelar (igualmente se regista pixelear). Apesar do estreito parentesco entre o português e o espanhol, até é plausível que o pixelar português se tenha formado autonomamente. Mesmo assim, se já temos pixelizar, que está bem formada e é, portanto, legítima, parece necessário tomar em atenção o facto, dando prioridade à forma já registada.

Pergunta:

A grafia correta é quatrilhão, ou quadrilhão? São sinônimos?

Resposta:

A palavra em questão tem várias formas, todas legítimas e todas registadas, por exemplo, pelo Dicionário Houaiss: quatrilião, quadrilião, quatrilhão, quadrilhão. De todas estas formas, a mais referida por gramáticas e dicionários é quatrilião.

Cf.  Milhões, Mil milhões, Biliões ou Triliões? Esclareça a confusão!

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra coirmandade existe e se se escreve sem o hífen, de acordo com as novas regras ortográficas.

Obrigada.

Resposta:

Aceita-se a palavra coirmandade como o mesmo que geminação, em referência a um acordo de cooperação entre duas cidades. A palavra não apresenta hífen, tal como não tem agora a palavra coirmão, no contexto do novo acordo ortográfico.