Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
405K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Creio que se escreve "olhò" e "vivà" (ex.: «Olhò passarinho!» ou «Vivà Ucrânia!»), aliás sempre que tenho de escrever faço-o desta maneira. Porém, há sempre a estranheza por parte de quem lê e chegam até a dizer-me que não é assim que se deve escrever. Então, gostaria de saber se realmente é assim que se escreve e qual a explicação gramatical.

Fico muito grata se me esclarecerem esta dúvida, pois gostaria de explicar a quem não sabe e eventualmente corrigir quem me tem corrigido.

Obrigada.

Resposta:

As grafias que apresenta só se admitem como reprodução do discurso e da pronunciação populares. O acento grave assinala uma contração vocálica, a da vogal final de uma palavra com a vogal do artigo definido que incia uma expressão nominal («olha o comboio» > «olhò comboio»; «viva a República» > «vivà República»).

O acento grave fica legitimado por formas como comà ou comò (da conjunção arcaica coma, seguida de artigo definido), ou ainda ou còs (da conjunção arcaica ca, seguida de artigo definido), as quais só ocorrem quando se pretende reproduzir a linguagem popular e regional («tomara eu ter amigos "comòs" teus»; «o teu carro é maior "cò" meu»).

Sobre o uso do acento grave nestas formas, ver Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 184-188 – trata-se de uma obra associada à norma ortográfica de 1945, mas mantém a sua atualidade). 

Pergunta:

Estou a pensar escrever um pequenito artigo com o título Na Mira do Bacalhau, tendo em conta algumas curiosidades deste ser.

Em termos da língua portuguesa é correcto escrever «Na mira...»?

Obrigada.

Resposta:

A expressão «na mira» está correta e encontra-se registada como subentrada de mira no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «na mira de. locução prepositiva. 1 Na esperança de; a fim de. "Saiu na mira de encontrar o amigo." 2. Com os olhos em; no fito de. "Respondeu ao anúncio na mira da recompensa."».

Pergunta:

Gostaria de saber quais as situações em que devemos empregar a preposição «por sobre», e se o correspondente «por sob» existe, se está em uso ou se é aceitável.

Muito obrigado.

Resposta:

As sequências «por sobre» e «por sob» não são preposições, mas, sim, pares de preposições. Com «por sobre», pretende-se marcar a noção de «por cima de um objeto ou de uma superfície, ao longo de toda a sua extensão». Depreende-se que «por sob» signifique «por debaixo de um objeto ou da sua superfície».

A associação de por a sob poderá ser mais rara que «por sobre», porque sob não é preposição com grande frequência, até porque é praticamente parónima de sobre. Contudo, é uma associação de preposições possível e legítima em certos contextos, ocorrendo já em textos menos recentes: «E pela vez primeira, depois de cinquenta anos de aridez, uma lágrima breve escorregou no carão da Titi, POR SOB os seus óculos sombrios» (Eça de Queirós, A Relíquia, in Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).

Pergunta:

Digam-me, por favor, qual a forma correta de escrever a junção dos adjetivos moral e espiritual na seguinte frase:

«Tendo em conta as condições tanto económicas como moral-espirituais (ou moralo-espirituais [=morais e espirituais]), há que oferecer caminhos concretos.»

Grato.

Resposta:

O caso em questão encontra alguma dificuldade, porque se trata de formar um adjetivo composto cujos constituintes estão coordenados. É que, geralmente, este tipo de compostos seleciona como primeiros elementos formas reduzidas ou alatinadas dos adjetivos, frequentemente terminadas em -o (ex., luso, franco, hispano, etc.), as quais são invariáveis. Acontece, porém, que a moral não corresponde nenhuma forma desse tipo (não se regista "moralo-"). Mesmo assim, tendo em conta exemplos como «(serviços) médico-cirúrgicos» (C. Cunha e L. Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 253: «nos adjetivos compostos apenas o último elemento recebe a forma de plural»), proponho a forma moral-espiritual, cujo plural é moral-espirituais.

Pergunta:

A palavra folhos é da família de folhas?

Resposta:

A palavra folho (plural folhos) é efetivamente da família de folha, porque tem origem num étimo que é comum às duas palavras – o latim folìum, ii, «folha» (Dicionário Houaiss). Do plural de folium – folia – surgiu a palavra folha. Outras palavras desta família, formadas por derivação: desfolhar, folhagem, folhear, folhetim, folhoso.